São Paulo, domingo, 29 de setembro de 1996
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A TERRA DO AVESSO

A quatro dias das eleições que vão escolher seu próximo prefeito, São Paulo é o tema desta edição especial, que traz ensaio inédito do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado.
Nascido em Minas Gerais e morador de Paris, Salgado, considerado o maior fotógrafo documental da atualidade, mostra em suas imagens, realizadas em abril deste ano, o que chama de a "maior concentração de cimento em um único lugar".
Crianças sob viadutos, famílias espremidas em cubículos, presos amontoados em celas, fanatismo religioso, frenesi na bolsa de valores, concentração de lixo, prédios e carros: não é exatamente uma visão otimista da maior cidade brasileira.
Para falar sobre a metrópole, a Revista convidou alguns paulistanos, de nascimento ou adoção. Do roqueiro João Gordo ao empresário Girsz Aronson, passando por Renato Silvestri, anônimo habitante de um prédio debruçado sobre o Minhocão.

"São Paulo é infernalmente boa ou genialmente ruim. Eu adoro viver aqui e vivo sonhando em morar em outro lugar."
(Patrícia Mello, 33, escritora)

"Para gostar de São Paulo você tem que descobrir as entranhas da cidade e ficar no seu bairro. As pessoas precisam saber quem você é. Como o jornaleiro que sabe que jornal você lê e o garçom do bar que sabe o jeito que você toma o café. Eu acho o centro de São Paulo uma poesia."
(Plinio Marcos, 60, dramaturgo)

"Eu já ouvi as confidências de milhares de paulistanos que vêm na minha loja, no cruzamento que é o coração da cidade, buscar soluções para seus problemas mais íntimos. Não consigo ficar longe do Centro. Não tem o slogan 'Brasil: Ame-o ou deixe-o'? São Paulo é 'Viva-a ou deixe-a'."
(Daniel Ribeiro, 36, dono do Darme Sex Shop, na esquina das avenidas Ipiranga e São João)

"O que mais encanta é a simplicidade e a afetividade de nossa gente em meio ao que se chama de ferro e cimento de uma cidade progressista. São Paulo atrai, prende, encanta e leva a sonhar. Parece até que o sonho de Deus se une aos ideais do homem para inspirar-nos um novo canto de São Francisco às criaturas."
(Dom Paulo Evaristo Arns, 75, cardeal arcebispo de São Paulo)

"São Paulo é muito perigosa. Quando o motoboy cai, ninguém pára para ajudar."
(Rogério Chakrian, 29, motoboy)

"São Paulo é uma cidade de luxo, onde precisa-se ganhar bem. A cidade é boa, mas a situação do povo é muito precária."
(Severino Caetano Barros, 68, pedinte)

"São Paulo é uma cidade de extrema direita, com Maluf no poder e os skinheads fazendo o que querem. Não tem espírito alternativo."
(João Gordo, 32, vocalista do Ratos de Porão)

"São Paulo é muito feia. Você acorda, abre a janela e vê todo aquele cinza, um monte de carro passando e pensa que é a cidade mais feia do mundo. Agora começaram a pintar os prédios com cores diferentes. Já pensou, abrir a janela e ver todo aquele mar de prédios todo colorido?"
(Renato Silvestri, 32, morador do Minhocão)

"Conheci São Paulo em outra época, na década de 50, em que o Centro era um ponto de convergência de políticos, turistas e da elite. Era tradicional o chá das cinco no Mappin Store. Hoje vejo com tristeza a deterioração do Centro."
(Daniel Eduardo Vera, 52, sócio da Botica ao Veado D'Ouro, desde 1858 na rua São Bento)

"Horrível. Quase inabitável. Uma pessoa que fala que gosta de São Paulo perdeu qualquer sentido de civilização. Vivemos em plena barbárie."
(Ugo Giorgetti, 54, diretor do filme "Sábado")

"Fico tantas horas por dia aqui, entre flores e legumes, que quando saio na cidade tenho um choque. Não consigo me acostumar."
(Claudio Gonçalves, 59, feirante do Ceagesp)

"Como paulistana típica, fico doida com o trânsito, xingo a cada buraco na rua, me tranco no carro com medo de assalto, mas fico maravilhada quando vou a bairros distantes e vejo as diferentes cidades que existem dentro de São Paulo."
(Ana Diniz, 35, diretora de marketing do grupo Pão de Açúcar)

"Ainda estou meio perdido, acabei de chegar na cidade, mas senti falta. Gosto dos restaurantes, dos shoppings, do Playcenter."
(Viola, 27, jogador de futebol do Palmeiras)

"São Paulo é o coração do país. Não tem nada como essa cidade no mundo. Aqui nasceram meus filhos, aqui eu casei. Adoro São Paulo."
(Girsz Aronson, 78, dono da G. Aronson)

"O que me agrada muito na cidade é a liberdade que ela te dá pela total falta de intimidade. Ela é tão impessoal que posso passar uma semana indo a bons lugares sem encontrar gente conhecida."
(Glória Kalil, 50, empresária)

"O que me atrai em São Paulo é a sua vitalidade. Parece que os moradores ainda não têm muita idéia de cidadania, parece que a cidade não tem dono. Gosto do dinamismo e do multiculturalismo, essa diversidade racial e a velocidade com que ela se transforma."
(Eduardo Longo, 54, arquiteto)

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