São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
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Troca de prefeitos ameaça os programas

AURELIANO BIANCARELLI
ENVIADO ESPECIAL A FORTALEZA

A dança das cadeiras, das rixas e vaidades, promovida pela troca de prefeitos, está pondo em risco o que já brotou de melhor no Ceará: os programas de agentes comunitários e de saúde da família.
Equipes onde os prefeitos não fizeram seus sucessores arrumaram as malas e abandonaram as famílias que visitaram durante anos. Muitas crianças devem morrer por conta desse ritual de passagem.
Em pelo menos quatro das cidades onde o programa era modelo -Beberibe, Itapiúna, Jucás e Quixadá- a oposição venceu.
Nos distritos rurais de Itapiúna -122 km de Fortaleza-, dois sábados atrás, o enfermeiro Ronaldo da Silva Oliveira, 28, se despedia na porta dos casebres. Oliveira sabia de cor o nome das pessoas e a situação de saúde das 600 famílias do distrito onde morou.
Como o pagamento da equipe do Programa de Saúde da Família, feito pelo Ministério da Saúde, só é transferido para os municípios dez dias depois do mês vencido, o dinheiro de dezembro cairá nas mãos do novo prefeito. "O prefeito eleito avisou que as equipes serão desmontadas e o trabalho parou no início de dezembro", diz Adoneide Clementino, secretária da Saúde de Itapiúna.
No município, a mortalidade infantil caiu de 72 por mil nascidos vivos em 1993 para 16,7 por mil em 1995. Todas as crianças estavam com a vacinação em dia.
Ambulâncias paradas
Em Beberibe, a 85 km de Fortaleza, assim que a oposição venceu, começou a ruir um dos mais bem sucedidos programas do Nordeste.
No páteo do posto de saúde, cinco jipes e quatro ambulâncias estavam paradas por falta de manutenção e combustível.
Boa parte dos médicos foi embora há mais de um mês. Na Prainha do Canto Verde, onde os médicos atendiam uma vez por semana, o menino Mateus Alves da Silva, de 9 meses, estava há 15 dias com diarréia esperando por assistência.
Em Jucás, o candidato do prefeito Carlile Lavor perdeu as eleições. Lavor foi quem primeiro implantou o programa de agentes de saúde no Brasil. Em Quixadá, Odorico Andrade, ex-secretário de Saúde, candidatou-se a vice-prefeito e perdeu. Andrade implantou o programa de saúde da família que serviu de modelo para todo o país.
O Ministério da Saúde espera que a interrupção dos serviços seja apenas temporária. "Vamos discutir com os novos prefeitos", diz Regina Celi, do Departamento de Assistência e Promoção à Saúde.
Anastácio de Queiroz Souza, secretário de saúde do Ceará, diz que o sucesso dos programas levará os novos prefeitos a retomá-los. "Seria um erro político desmontar o que está dando certo", diz.
Espelho
Os programas de agentes comunitários e saúde da família, tidos como as mais promissoras mudanças no modelo de assistência à saúde no país, brotaram no Ceará.
"O Ceará serviu de espelho para a implantação desses programas", diz Heloisa Machado de Souza, do Ministério da Saúde.
O médico Carlile Lavor, que desde 1975 vinha testando o programa de agentes comunitários, implantou-o em Jucás, no sertão cearense, em 1978. Em 1987, ao assumir a secretaria da Saúde, Lavor implantou o programa em todo o Ceará. Em 1991, o Ministério da Saúde levou-o para todo o Nordeste.
Uma pesquisa feita pela Unicef mostrou que a mortalidade infantil no Cará caiu de 100 para 60 por mil nascimentos entre 1987 e 1990. A taxa já caiu para 50 e o objetivo é chegar a 40 por mil nascidos vivos.
Hoje, são 8.257 agentes que atuam nos 184 municípios cearenses a um custo mensal de R$ 1,3 milhão para o Estado. Cerca de 85% das famílias do Estado são visitadas pelos agentes de saúde.
Saúde da família
Em outra pequena cidade cearense, Icapuí, no litoral, germinava a segunda experiência que viraria modelo para todo o país: o programa de saúde da família.
A idéia não era nova, mas Icapuí inovou ao retirar o médico do centro das relações. "Criamos a vigilância à saúde da família, com uma equipe integrada", diz o médico Odorico Andrade.
O programa foi implantado quando o PT venceu as eleições na cidade, em 1989, e Andrade assumiu a secretaria da Saúde. Em 1993, o PT venceu em Quixadá, e Andrade levou o programa para o município. Animado com os resultados, o então ministro Henrique Santillo criou o Programa Saúde da Família (PSF) em 1994.
No Ceará, o PSF funciona em 57 municípios e está sendo implantados em outros 29. "O objetivo é implantá-lo em todo o Estado", diz Jocileide Sales Campos, da Secretaria da Saúde.

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