São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A "filosofia do avestruz"

BISMAEL B. MORAES

O choque e a curiosidade causados pela violência e criminalidade, bem manipulados pelos "experts", rendem enorme retorno econômico e mesmo político, embora em prejuízo da sociedade anestesiada. Senão, vejamos.
Primeiro, foram os cavaleiros de capa e espada, lutando contra os inimigos do povo; depois, os xerifes do Velho Oeste, enfrentando os bandidos; em seguida, veio a fase dos detetives, investigando o submundo marginal e os crimes secretos, com poder de vida e morte, no encalço das quadrilhas internacionais etc. Em tudo, fantasia e faturamento alto. Confunde-se a "idade da razão" com a "idade da televisão".
Todo esse sonífero contra o raciocínio, toda essa imagem da "polícia do faz-de-conta" atingiu as mentes, tanto do homem comum como das autoridades e até de algumas pessoas que se julgam "entendidas" da matéria; todos confundem o real com fantástico, e poucos despertam para uma visão assentada sobre a polícia e para a necessidade de sua correta aplicação em benefício social.
E esse desfoque chega a tal ponto que, pelo desconhecimento e pelo consequente preconceito, governantes, ministros e secretários de Estado ainda se mantêm na crença de que, para diminuir a violência e a criminalidade bastam arsenais, veículos e aparelhos sofisticados (que dão melhor resultado aos seus fabricantes do que à segurança pública)! Se isso não ocorrer por infantilidade ou por ignorância, é de se desconfiar da existência de interesses outros.
Ponha-se uma metralhadora na mão de um macaco, e ele fará com que todo o público do Maracanã, em dia de grande clássico, deite ao solo; mas ninguém confiaria sua segurança a esse animal, mesmo que ele estivesse em um carro possante ou em um helicóptero.
Não se diga que armas e veículos não sejam necessários à polícia, mas de logo se verifica, por esse rude exemplo, que o fundamental não são os arsenais e a parafernália de máquinas, que apenas ajudam com os fatos acontecidos e com a insegurança pública já instalada! O que vale, sim, é a cabeça do policial preparado, conscientizado da sua missão na sociedade e reconhecido por todos os poderes do Estado como peça essencial à aplicação do direito, pois não há Estado sem polícia.
Por isso, sem uma virada de 180 graus, sem uma tomada de consciência de todos sobre o verdadeiro papel da instituição policial na sociedade (e não como subserviente "longa manus" dos governantes e administradores vaidosos, interesseiros ou mal assessorados), o círculo vicioso continuará: a polícia será encarada como órgão de opressão e repressão, não rendendo dividendos políticos e intelectuais a sua análise assentada e seu estudo aprofundado. Há o risco de que se lhe descubra a essencialidade!
O sociólogo, o político, o jornalista, o jurista e -principalmente- o policial muito podem fazer para que a polícia, em razão de sua imprescindibilidade, seja, não temida, mas reconhecida e respeitada como tal, e os benefícios serão de todos. E isso será possível lutando-se contra a fantasia e o preconceito, evitando-se a "filosofia do avestruz".

Texto Anterior: Leitor reclama de empresa de cartão
Próximo Texto: Posse de Conde no Rio vira comício de Maia
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.