São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
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Por favor, deixemos Ronaldinho em paz

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Que o futebol é algo que "bota a gente comovido como o diabo", como dizia o poeta, é um fato do qual poucos discordam. Mas daí a dizer que a imprensa do ramo deve pautar sua conduta por esse sentimento que o esporte desperta, isso é coisa bem diferente.
Um pouco de frieza e objetividade talvez fossem mais eficazes para transmitir ao ouvinte, leitor ou telespectador a emoção que o futebol aglutina. Os artistas são os outros, não os jornalistas.
Infelizmente, não é o que ocorre. A imprensa esportiva tem uma espécie de atração fatal pelos superlativos, uma queda irresistível pelos elogios hiperbólicos, cuja contrapartida é uma tentação igualmente mortal pela crítica inflamada, destemperada, figadal.
Menos frequente nos jornais, essa cultura habituada a elevar alguém ao céu para em seguida afundá-lo sete palmos na terra, é muito comum nas emissoras de rádio e nos programas esportivos da TV.
Ali, em geral, vive-se no reino da pura emoção, embalada por um mínimo de discernimento, um verniz de bom senso. Exceções só confirmam a regra.
Não é à toa que Ruy Castro tenha escolhido Garrincha como personagem de sua última biografia. Ele é o caso mais paradigmático no esporte brasileiro de alguém que reúne em si os extremos que tanto deliciam a imprensa.
Deus e diabo, glória e sarjeta -toda sua vida parece resumir-se nesses contrastes, nessas imagens binárias, nessas oposições limítrofes, sem espaço para o meio termo.
A vida de Garrincha pode até justificar uma abordagem desse tipo, mas ele está longe de ser a única vítima da vocação exagerada da imprensa. Maradona, Romário, Edmundo, Serginho Chulapa -todos foram entronizados e crucificados algumas dezenas de vezes pela crônica especializada.
*
Isso tudo para dizer que agora chegou a vez de Ronaldinho, o menino pobre de Bento Ribeiro, subúrbio carioca, que aos 14 anos era o que se chama de "Zé Ninguém".
Teve então seu passe comprado por US$ 7.500 por uma dupla de empresários e hoje, aos 20 anos, tem um contrato com o Barça que lhe garante em torno de US$ 4 milhões por ano até 2006.
É difícil saber o que vai pela cabeça de alguém que sai de uma condição de quase miséria para o estrelato mundial em tão pouco tempo. Mais fácil, no entanto, é acompanhar a atitude da imprensa a seu respeito. Primeiro, entronizaram o rapaz, compararam-no a Pelé (que exagero!). Agora começa a rodada de puxões de orelha, fofocas maldosas e coisinhas afins. Já vimos esse filme antes.
E tudo isso por quê? Porque ele está namorando uma moça bonita, porque está há quatro jogos sem marcar (que pecado, meu Deus!), porque foi à praia carioca durante as férias jogar o seu Viajandão.
Enumerado assim, sem maldade, tudo isso não parece prosaico, humano, demasiadamente humano? Então qual é o problema? Vamos parar com essa barulheira toda por nada e deixar o menino desfrutar da fama, o que ele, aliás, faz de forma muito discreta. O resto é bola na rede. E disso ele sabe.

Excepcionalmente não publicamos hoje a coluna de Matinas Suzuki Jr.

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