São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
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Réveillon de 1999 será de terror para computeiros

DAVID DREW ZINGG
EM SÃO PAULO

Bom dia, alunos!
Bem-vindos a 1997.
Aqui fala o seu velho professor de ciências, tio Dave, com uma adorável história de terror sobre o vírus do milênio.
E justo agora que você imaginava ter se livrado bem dos terrores de 1996, hein, Joãozinho?
Você pode perguntar: o que faz esse velho doido, David, tentando desencadear um caso de "tensão pré-milenar" em massa no Brasil todo, bem agora que estamos tentando com tanta dificuldade sossegar nossa ressaca pós-Ano Novo?
Esta, porém, é uma história real.
Mesmo que soe como uma piada suja high tech de computeiro careca, não quero ouvir risadinhas do fundão da classe até que eu termine de contar.
O vírus do milênio é assim chamado porque, é o que se diz, existe um "pau" embutido naqueles gigantescos e poderosos computadores com que governos e empresas controlam coisas como o seu crédito e a sua conta bancária.
Esse vírus (ou "pau") horroroso pode estar instalado até mesmo no seu computador doméstico, dependendo da fabricação e da idade dele.
Esse pequeno vírus detestável está inscrito no código que faz os computadores computarem.
Ele fará um imenso número de computadores em todo o mundo (o que, se eu leio o mapa corretamente, ainda inclui a Brazucalândia) simplesmente engasgar em qualquer ano que não comece com os números mágicos "19".
Esse fato simples ameaça enlouquecer computadores por toda parte à meia-noite do réveillon de 1999 (existe um outro grupo de computeiros científicos sérios que sustenta que o novo milênio começa de fato no dia 1º de janeiro de 2001, mas essa é outra história).
O que acontece é que muitos, muitos programas de computador foram criados nas décadas de 1970 e 1980 para aquelas máquinas gigantes do tipo IBM.
Naqueles tempos de pré-história da computação, o espaço para armazenagem era precioso.
Os programadores, sagazes, decidiram usar apenas dois dígitos para armazenar anos em bancos de dados. Para o cérebro do computador, "1997" tornou-se apenas "97".
Assim, como você, Joãozinho, pode deduzir facilmente, quando o computador do seu banco chegar a "1/1/00", simplesmente começará o século outra vez.
Em um só golpe de gênio, mágico, mundial, estaremos de volta a 1º de janeiro de 1900!
Confusão
"Bom", pergunta você, "e o que tudo isso tem a ver comigo?"
Eu conto o que essa catástrofe bizarra tem a ver com você.
Em primeiro lugar, vai custar uma fortuna para consertar. Surpresa, surpresa, adivinhe quem vai pagar por esse pequeno erro dos cientistas da computação?
Economistas chutam que a erradicação desse pequenino vírus em todo o mundo vai custar qualquer coisa entre US$ 200 bilhões e US$ 800 bilhões.
Os custos virão da contratação de especialistas em computação (que são extremamente bem pagos) para mergulhar em brechas e recantos ocultos dos cérebros eletrônicos dos computadores.
Algo semelhante a uma cirurgia cerebral em gente de verdade.
Quando o velho doutor computeiro estiver no cérebro do computador, terá de descobrir e reescrever seu código para informá-lo de que ingressou no novo milênio.
Mais confusão
E a coisa piora.
Centenas de coisas que usamos cotidianamente podem ser afetadas.
Não estou falando só de probleminhas insignificantes do tipo descobrir que você não tem mais crédito ou que não pode tirar dinheiro de sua conta bancária.
Estou falando de grandes explosões, ainda maiores que as dos fogos de artifício que você detonou para comemorar a última conquista do Brasil no futebol.
Sistemas de computador de segurança crítica ajudam a controlar mísseis, aviões e sistemas de defesa.
Eles também evitam superaquecimento em usinas nucleares. Você pode achar engraçado, se vive nas proximidades de Angra ou Aramar.
Tio Dave está simplesmente dizendo que os 20 milhões e qualquer coisa que vivem no eixo urbano Rio-São Paulo têm duas alternativas:
1) Certificar-se realmente de que alguém competente vai começar a lidar com o problema do vírus do milênio, ou
2) Mudar para aquela atraente casinha na árvore que está para alugar no Amazonas.
E mais, e mais... O vírus do milênio é, de fato, um desafio do tamanho do capeta.
Será possível resolver o problema a tempo?
Alguns especialistas acham que já é tarde demais, a tarefa é grande demais.
É verdade que, quanto maior o tempo de computadorização de um país, maior será o seu problema.
Mas não se console muito com o fato de que você vive na Bananalândia.
Você pode agradecer aos militares por seu investimento precoce e pesado.
A Petrobrás, sozinha, provavelmente tem milhões de linhas de código para checar, e não vamos nem pensar nas informações sobre a sua aposentadoria soterradas por infinitas linhas de Cobol, aquela linguagem medieval de computador.
Então, o que você pode fazer para escapar à calamidade do vírus do milênio?
Faça como o tio Dave -procure lembrar como se usam lápis e caneta, tire o dinheiro do banco enquanto é tempo e invista numa canoa para suas jornadas amazônicas.

Tradução de Lucia Boldrini

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