São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
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Tabucchi revisita velhos companheiros

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1992, para declarar publicamente o amor às influências, o italiano Antonio Tabucchi, 53, imaginou o que poderiam ter Rimbaud ou Freud sonhado no momento final de suas vidas.
"Sonho de Sonho", que chega agora ao Brasil (editora Rocco), é o resultado da imaginativa investigação de Tabucchi, que escolheu um seleto grupo para poder, em suas próprias palavras, sonhar por eles.
"Ah, mas eu tive que deixar muitos de lado, ou o leitor encontraria uma grande enciclopédia. E eu não quero aborrecer o leitor", disse Tabucchi em entrevista à Folha, por telefone, de Lisboa, o lugar escolhido para passar o último dia do ano.
Tradutor de Fernando Pessoa na Itália (a Rocco lança também o seu "Os Três Últimos Dias de Fernando Pessoa"), o romancista Tabucchi se projetou graças ao cinema, que adaptou duas de suas obras: "Noturno Indiano" (1989) e o premiado "Afirma Pereira", de 1994. Mas, como ele mesmo afirma, não há nada em sua obra de cinematográfico: "O cinema quer apenas histórias".
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Folha - Há um tom de literatura fantástica que remete aos escritores Italo Calvino e Dino Buzzati em "Sonhos de Sonhos". O sr. aceita essa aproximação?
Antonio Tabucchi - Para dizer francamente penso que não, pois esses dois escritores, por assim dizer, não fazem parte da minha família literária. Os dois adotaram o assim chamado "Fantástico" e para dizer a verdade o fantástico do Calvino é muito superior ao de Buzzati. E a escrita também. Mas, de qualquer modo, segundo uma classificação de Todorov, eles usam o fantástico puro. Eu, quando uso o fantástico em meus livros, uso o fantástico aplicado. O que quer dizer aplicado à realidade. Minha obra fantástica em "Sonhos" está aplicada à vida dos autores de que falo.
Folha - Por que sonhar a vida de um outro?
Tabucchi - Posso lhe dizer que o meu livro quer ser fundamentalmente uma homenagem. Esse livro quer ser uma homenagem aos, digamos assim, artistas de todas as épocas e de todos os lugares com os quais eu sinto uma proximidade. Tanto de um ponto de vista afetivo quanto de um ponto de vista existencial ou estético. Pessoas que são meus companheiros.
Folha - E como o sr. chegou a esses nomes. Rimbaud, García Lorca ou Debussy?
Tabucchi - Realmente tive que deixar de lado muita gente, o que foi bastante penoso. Foi uma escolha às vezes feitas sem pensar, muito arbitrária. Essa obra indica uma atitude contrária a moderna narratologia, que nos ensina que a obra não tem nada a ver com a vida, pois todos os sonhos que escrevi trazem marcas biográficas.
Eu tenho uma série de suspeitas sobre esses personagens, e é claro que uma suspeita não se resolve em um ensaio, mas na literatura. De maneira, pensei que o ponto de encontro entre a criação artística e a vida vivida pudessem se encontrar naquele espaço privilegiado que é o sonho.
Folha - Para o sr., a crença de alguns críticos de que o romance será substituído pelas biografias ou reportagens é falso?
Tabucchi - Eu sei que há muitas discussões ao redor do gênero que se tem por biografia. Muitas vezes até a autobiografia. Mas eu sou inclinado a pensar que um autor, um escritor que escreve a sua autobiografia, aquela história não pertence a ele, mas a um outro "eu" que não é ele próprio.
Eu acho que me parece evidente que o romance no final do século 20 é muito diferente do que foi produzido no século 19, apesar de alguns autores -o seu Machado de Assis é um exemplo- já anteciparem procedimentos do século 20. É preciso deixar de lado as cronologias, que servem apenas para os estudos literários.
A literatura não cabe inteiramente nas histórias literárias.

Livro: Sonhos de Sonhos
Lançamento: Editora Rocco
Quanto: R$ 15, 95 págs.

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