São Paulo, quinta-feira, 2 de janeiro de 1997
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Os prefeitos da hora da verdade

GERALDO ALCKMIN FILHO

Os prefeitos da safra 96 serão os primeiros a trabalhar, durante todo o mandato, com uma realidade totalmente transformada por dois fatores: a estabilidade da moeda e o aumento das receitas e responsabilidades municipais que vem ocorrendo desde a promulgação da Carta de 88.
Esses fatores conferem aos novos prefeitos força e autonomia muito maiores que as de seus antecessores. Trata-se de um grande avanço para fortalecer o poder local e consolidar a democracia. Mas esse avanço exige como contrapartida um rigoroso ajuste das administrações municipais.
A moeda estável oferece segurança às estimativas de receitas e permite melhor planejamento das despesas. Também cria condições para novos empreendimentos particulares nos municípios (só no Estado de São Paulo, estão programados para os próximos anos investimentos de R$ 15 bilhões). Tudo isso proporciona mais empregos, melhor distribuição de renda, mais consumo e mais impostos.
Mas o Real acabou com a facilidade dos orçamentos fictícios, em que os déficits eram camuflados pela correção monetária ou cobertos por aplicações na falecida "ciranda financeira", geradora de recursos até maiores que a arrecadação do Imposto Predial e Territorial Urbano -IPTU.
Acabou também com as alterações de prioridades, por reajustes desproporcionais de verbas orçamentárias, feitos por conta do chamado "excesso de arrecadação". Acabou com o recurso de pagar precatórios judiciais em suaves prestações anuais, graças à acelerada desvalorização da moeda. Acabou -principalmente- com o "jeitinho" de equilibrar o caixa, atrasando o pagamento de fornecedores e os reajustes das folhas de pagamento, quase sempre corrigidas com índices inferiores ao da inflação. Isso tudo acabou.
E acabou há mais de dois anos. Entretanto, muitos prefeitos deixaram de fazer os ajustes que teriam de ser feitos quando da implantação da nova moeda. E, acostumados à velha moda, continuaram gastando sem a preocupação de pagar. Por isso, um grande número de prefeituras está em péssimas condições financeiras.
Isso não pode continuar. Agora é a hora da verdade. Os orçamentos precisam ser corretos. A administração precisa ser enxuta, moderna e eficiente. É preciso desinchar o quadro de funcionários e alcançar melhor qualidade nos serviços públicos, com profissionalização e programas de treinamento.
Para superar suas dificuldades, as prefeituras não poderão contar com "jeitinhos" por parte dos governos da União e do Estado, pois ambos também estão empenhados em ajustar suas contas. Além disso, é preciso lembrar que os municípios foram os mais beneficiados pela Constituição de 1988. Na divisão do bolo formado por todos os impostos federais, estaduais e municipais, a fatia das prefeituras aumentou 60%, em média, entre 88 e 95. Foi justamente isso que permitiu a realização de grandes obras por muitas prefeituras, pois o aumento de receita veio bem antes do repasse de maiores responsabilidades nas áreas da saúde e educação, que só agora começa a ocorrer.
Mas as receitas municipais continuam aumentando. O IPVA -que tem metade da receita destinada aos municípios- tem crescido 10% ao ano e tende a crescer mais. Nos últimos 4 meses, a receita do ICMS subiu 12%, sem que houvesse aumento da alíquota. No próximo ano, a extinção do Fundo de Emergência Fiscal vai devolver às prefeituras recursos que ficavam para o governo federal.
Agora, os municípios têm de caminhar com suas próprias pernas. Mas isso não quer dizer que devam caminhar sozinhos. Mais do que nunca, são necessárias as parcerias. Não só com os governos do Estado e da União. Mas, também, entre os próprio municípios, na formação de associações e consórcios que possam racionalizar a aplicação de recursos e permitir a solução de problemas regionais, nas áreas de saúde, educação, transportes, águas, esgotos e meio ambiente. Também -e principalmente- com a sociedade organizada e com a livre iniciativa.
E existe uma parceria que é fundamental: a parceria das decisões. Como a que já vem sendo feita pelo governador Mário Covas, ao reunir prefeitos de uma região inteira para decidir a aplicação dos poucos recursos que o Estado tem: distribuindo-os pelos municípios, segundo prioridades definidas por eles, com critérios absolutamente transparentes, sem qualquer privilégio ou discriminação partidária.
Essa parceria tem de ser feita pelos prefeitos com as Câmaras Municipais, na definição de leis e orçamentos; com as entidades filantrópicas, para fazer render mais os recursos destinados à assistência social; com as associações e sindicatos de trabalhadores e empresários, na busca de soluções para o desemprego; com as prefeituras vizinhas, para conseguir um desenvolvimento harmônico da região. Enfim, essa parceria tem de ser feita com toda a sociedade.
Essa parceria exige a humildade de ouvir e acatar opiniões, até mesmo de adversários. Em troca, põe em prática a democracia e permite fazer um "não" bem explicado ser mais bem aceito que um "sim" que jamais será cumprido.

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