São Paulo, segunda-feira, 6 de janeiro de 1997
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A paz na América do Sul

DIEGO RAMIRO GUELAR

Em 1985, há apenas dez anos, o panorama sul-americano era verdadeiramente sombrio. Todos os países da região tinham "hipóteses de guerra" ativas entre si ou, pelo menos, graves tensões.
Argentina com Brasil; Argentina com Chile; Bolívia com Paraguai; Bolívia com Chile; Bolívia com Peru; Peru com Equador; Equador com Colômbia; Colômbia com Venezuela; Venezuela com Brasil... bingo!!!, uma "balcanização" quase perfeita.
Naquele momento, em 1985, a decisão histórica dos presidentes José Sarney, do Brasil, e Raúl Alfonsín, da Argentina, mudou o rumo da história. Com a "Declaração de Iguaçu", assinada em 30 de novembro de 1985, na cidade de Foz do Iguaçu, entre a Argentina e o Brasil, abandonou-se o caminho do conflito para transitar o caminho da associação. Dali chegou-se, aceleradamente, ao "Tratado de Assunção", assinado em 26 de março de 1991, em que se criou o Mercosul, junto com o Uruguai e o Paraguai.
Como uma avalanche, foram se sucedendo (com raras exceções) acordos que distenderam toda a América do Sul, levando-a rumo a uma situação de paz e estabilidade tanto política quanto econômica, assim como a um crescimento estável de, aproximadamente, 3% ao ano.
Em 1991, chegou o turno aos presidentes Fernando Collor, do Brasil, e Carlos Menem, da Argentina, os quais, com o Acordo de Cooperação Nuclear Bilateral, além do Acordo Quadripartito, subscrito entre os dois países junto com a ABACC (Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade) e a OIEA (Organização Internacional de Energia Atômica), em 3 de dezembro de 1991, garantiram a absoluta desnuclearização militar da região.
Por último, em 1996, os presidentes Fernando Henrique Cardoso e Carlos Menem dão um passo de extraordinária projeção: a institucionalização do diálogo no campo da defesa.
O que isso significa?
Durante os últimos dez anos, as três Forças Armadas (Exército, Aeronáutica e Marinha) de cada país vinham desenvolvendo uma crescente "cooperação horizontal": exercícios conjuntos, intercâmbio de estudantes e professores das escolas de guerra, transparência em matéria de inteligência etc.
Nesse contexto, devem-se emoldurar os exercícios militares conjuntos Operação Cruzeiro do Sul, realizados em Monte Caseros, na província argentina de Corrientes, entre 12 e 18 de outubro último; os exercícios navais Fraterno, de 14 a 24 de novembro; as operações de superfície e aéreas, entre as Armadas do Brasil e da Argentina; e o operativo anual Araex 4 (de 8 a 14 de novembro), que vem se realizando desde 1993 e durante o qual, no porta-aviões Minas Gerais, da Marinha do Brasil, operam aviões Superetandard, da Armada Argentina, produzindo-se um fato inédito de cooperação bilateral nessa área, pelo segundo ano consecutivo.
A conclusão a que se chegou em 1996 é que a "fase 1" da integração no campo da defesa estava concluída: a cooperação entre as forças é ótima, e a confiança entre elas, absoluta. Em uma palavra, não há "hipóteses de conflito". O presidente Fernando Henrique Cardoso oficializou essa situação ao anunciar a nova Política de Defesa Nacional brasileira, em seu discurso do dia 6/11 passado.
Podemos, então, entrar na "fase 2", ou seja, o "pensamento conjunto de defesa" e a complementação das nossas Forças Armadas.
Cabe destacar que a "fase 3" desse processo -hoje ainda prematura- é a conformação de um comando militar conjunto.
A consolidação de um acordo estratégico de paz entre a Argentina e o Brasil não é somente uma garantia de paz para os povos das nossas duas nações e sim uma poderosa arma dissuasória perante qualquer possibilidade de aventura bélica ou desestabilizadora na região.
Um elemento importante a ter em conta é a mais absoluta renúncia a desempenhar qualquer papel intervencionista; pelo contrário, tem-se ratificado a vocação de cooperação e a integração nesse campo com todos e com cada um dos nossos vizinhos, podendo verificar-se o notável avanço produzido nas relações hemisféricas durante a 2ª Conferência dos Ministros de Defesa do Continente Americano, que se realizou na cidade argentina de San Carlos de Bariloche entre os dias 7 e 9 de outubro de 1996.
O destacar desses avanços serve para revalorizar a projeção futura do Mercosul como uma "zona de paz e de integração" e não somente como uma "zona de livre comércio".
Os êxitos comerciais alcançados na América do Sul e, particularmente, os do Mercosul (que cada vez mais se transforma num produto sul-americano) são um instrumento que mostra a viabilidade e a conveniência de trabalharmos juntos para atingir, uma vez alcançadas a paz e a estabilidade econômica e política, o objetivo central dos nossos governos: o bem-estar da nossa gente e a necessária justiça social, sem os quais nossas nascentes democracias estariam condenadas à fragilidade perpétua.

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