São Paulo, quinta-feira, 9 de janeiro de 1997
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O milagre da tanga de crochê

MOACYR SCLIAR

Tudo começou quando a bela Chapeuzinho Vermelho leu no jornal que o biquíni de crochê se havia tornado moda no Brasil. Foi uma verdadeira revelação: de repente a jovem se deu conta da razão pela qual não arranjava namorado. Capa com capuz vermelho não estava com nada. Tinha de mostrar o corpo, devidamente valorizado por um maiô como aquele que aparecia na foto.
O problema era como arranjar o dito maiô. Chapeuzinho Vermelho era pobre, não tinha dinheiro para entrar numa elegante butique e sair de lá convenientemente aparelhada para o verão. O que a precipitou numa crise de desespero: nunca conseguirei um namorado bonito e simpático, soluçava. Vou ter de casar com o Lobo Mau, o único pretendente que está interessado em mim.
De repente, porém, uma solução lhe ocorreu: a vovó! Ela passava o dia todo em casa, fazendo crochê. Confeccionava maravilhosas cortinas, toalhas de mesa, guardanapos; nada impediria que fizesse uma tanga de crochê para a neta. De imediato pegou a cesta com frutas (afinal, a vovó precisava de uma compensação), tomou a estrada do bosque e em poucos minutos chegou à casa da velhinha.
A vovó encarou a idéia do biquíni com certa suspeição. Tratava-se de pessoa de idade, muito conservadora: novidades para ela eram coisa do demônio. Não sei, minha neta, disse, depois de pensar um pouco.
- Essa coisa de tanga de crochê está mais para sacanagem do que para artesanato.
Chapeuzinho Vermelho pôs-se a chorar. Ai, vovó, dizia, nem você me compreende.
- Como é que vou arranjar um namorado sem estar na moda? Sem usar tanga de crochê?
A velhinha suspirou e resolveu atender ao pedido. Afinal, era sua neta, sua única neta. E, em se tratando de uma peça de vestuário tão sumária, o trabalho não seria muito. Pegou a linha, as agulhas, e em questão de poucas horas a tanga estava terminada.
Justamente no momento em que Chapeuzinho Vermelho estava a experimentá-la entrou o lobo, que se atrasara por causa de um congestionamento de tráfego. Vendo juntas a avó e a neta, o malvado esfregou as patas: a refeição e a sobremesa de uma vez só, que sorte! Mas não chegou a dar o bote fatal: paralisou-o a visão de Chapeuzinho Vermelho usando a tanga de crochê. Instantaneamente apaixonado, pediu que a moça lhe desse um beijo. Chapeuzinho Vermelho, comovida, beijou-o e o lobo imediatamente se transformou num príncipe.
(A rigor, isso deveria acontecer com um sapo, mas tanga de crochê faz milagres.)
Casaram-se, foram felizes para sempre, e hoje administram a fábrica de tangas. Cuja única operária é, naturalmente, a vovozinha.

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