São Paulo, quinta-feira, 9 de janeiro de 1997
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Banho de esgoto

LUIZA NAGIB ELUF

Há muito tempo o Guarujá deixou de ser um local aprazível. A especulação imobiliária desenfreada liquidou uma das cidades praianas mais bonitas do país. A ausência de planejamento urbano tornou insuportável a concentração populacional nas áreas centrais, fazendo com que, no verão, a cidade fique lotada de turistas histéricos. Em Pitangueiras, os prédios, altíssimos, fazem sombra na praia!
No dia 26/12/96, a Sabesp anunciou o rompimento de uma tubulação que lança esgoto no mar, aumentando em quantidade alarmante a concentração de coliformes fecais na água e na areia. Mas esse incidente foi apenas a gota d'água.
Desde sempre que, em meio a condomínios de luxo, espalha-se esgoto por todo lado. Faz tempo que a classe média arma barraquinhas de praia sobre fezes e outros dejetos. E não reclama, pelo menos não de forma organizada.
Quase todas as praias brasileiras derramam esgoto não-tratado sobre as areias repletas de banhistas, como se fosse coisa normal, sem consequências. Confirma-se, assim, o subdesenvolvimento e a ignorância que nos dominam. Temos praias lindas, porém impróprias para o uso, por falta de saneamento. Assim mesmo, muita gente vai à praia e fica doente sem saber por quê.
O recente episódio envolvendo a absoluta inadequação das praias do Guarujá parece novidade, mas não é. Faz tempo que a contaminação existe, e as crianças, seus pais e demais frequentadores contraem toda sorte de viroses durante as férias. Todo mundo vê o esgoto, cheira o esgoto, molha-se no esgoto e, no final, assimila o esgoto.
A Cetesb interditou os locais mais poluídos com faixas e avisos, mas as placas foram destruídas, e as pessoas, aparentemente desinformadas, entraram (teimosamente) no mar (de esgoto).
O governo estadual passou, então, a distribuir panfletos informativos, esclarecendo que a água poluída causa doenças de pele, bicho geográfico, hepatites A e B, bicho-de-pé, conjuntivite, otite, micoses, cólera, febre tifóide, impetigo e diarréia. Algumas dessas doenças podem causar a morte. Foram listadas 105 praias do litoral paulista impróprias para banho, evidenciando que a coleta de esgoto é absolutamente precária neste país tropical, pois os outros Estados da Federação não ficam atrás. Uma vergonha nacional.
A poluição do Guarujá gera maior surpresa porque para lá se dirige a elite paulistana, nos momentos de lazer. O IPTU cobrado pela prefeitura é um dos mais altos do país. Será possível que ninguém se preocupe com a degeneração urbana e com o saneamento básico? Ninguém sente nojo de se banhar ou mesmo caminhar por uma praia onde o esgoto escorre de tubulações que desembocam diretamente na areia?
Os emissários submarinos são raros. O que impera é o esgoto a céu aberto, não-tratado e, muitas vezes, clandestino. É preciso pressionar a prefeitura local e o governo do Estado a tomarem as providências que lhes competem. Trata-se de um direito da cidadania.
Brasileiros ainda não aprenderam a lidar com seus recursos hídricos. Não há rio, não há lago, não há praia que resista a essa gana poluidora, destruidora, resultante da ignorância das classes dirigentes e economicamente privilegiadas. Até o lago do parque Ibirapuera recebe grandes quantidades de dejetos e sua aparência é repugnante. Seu odor também.
Cuidar de nossas águas é urgente. Nenhum outro projeto pode ser mais imperioso do que esse.

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