São Paulo, quinta-feira, 9 de janeiro de 1997
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PT ou não PT

OTAVIO FRIAS FILHO

Estamos nos acostumando a comemorar o que vai bem, a moeda finalmente estável, a "sorte" de termos um presidente certo na hora certa etc. Não faria mal refletir um pouco, para compensar, sobre os nossos "azares", ocultos sob o otimismo acachapante que reúne o governo, a mídia e a classe média que vai às compras em Miami.
Durante décadas, pelo menos, esperou-se pelo surgimento de um partido político que fosse fruto da organização popular, que rompesse com a nossa antiga tradição de um grupo dissidente qualquer mobilizar, de forma apenas temporária e tática, as expectativas da maioria de excluídos. Até que enfim esse partido, o PT, apareceu.
Nos países desenvolvidos, partidos assim tiveram mais de cem anos para corrigir as desigualdades agudas, para religar a sociedade e a política, para incorporar a base social aos benefícios da civilização, até perderem sua razão de ser -consumada a tarefa de três ou quatro gerações- e se dissolverem no sistema tradicional.
O PT começava a cumprir essa trajetória quando foi atropelado por uma reviravolta internacional sem precedentes, a mesma reviravolta que tornou tudo fácil para o atual governo e para a gestão que o antecedeu, a de Collor. Essa mudança, de alcance tão ciclópico que ainda mal a compreendemos, não aniquilou apenas o socialismo.
Ela colocou toda reivindicação coletiva em crise; o tempo dirá se ela não destruiu a própria idéia de política que tem vigorado nos últimos dois séculos, reduzindo-a a mera "administração das coisas", fragmentada em mil grupos de interesse pontual e provisório. Repete-se assim o ciclo daninho do nosso desenvolvimento dependente.
A fórmula tem sido mais ou menos a seguinte: o quadro internacional acaba por despertar, no âmbito doméstico, forças capazes de romper a dependência, mas, antes que tais forças possam amadurecer, nova mudança externa as desloca, tira o chão de sob seus pés, de modo que as "etapas" não se completam e o débito se multiplica.
Por isso nossa história é um museu de caricaturas, de imitações parciais da história européia ou norte-americana. O PT segue, infelizmente, pelo mesmo caminho, sua liquidação parece já ter começado e seu destino se trifurca em becos sem saída. A primeira vertente é esclerótica, é a conversão prematura à social-democracia.
Antes de realizar metade da missão, essa vertente se junta ao partido da Ordem, desfazendo-se no remanso da política convencional. Outra vertente se agarra à base de interesses incrustada no Estado, mas retendo ainda restos de ideologia corre o risco de perder o lugar para um partido de conveniência, o PSB, sem medo de ser corporativo.
A terceira vertente é romântico-regressiva, seu modelo seria o Tupac Amaru peruano. Até adeptos do capitalismo admitem o efeito estabilizador do PT ao longo dos últimos 20 anos. Desastroso para os socialistas, seu provável desaparecimento é má notícia para os democratas, se é que esses termos ainda significam alguma coisa.

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