São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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O "black" volta à cena

CELSO PINTO

Dezembro registrou o mais alto ágio na cotação do dólar paralelo dos últimos três anos e meio. O "black" superou o dólar comercial, em média, 7,75%, um ágio só comparável ao de agosto de 1993.
Oficialmente, o Banco Central diz que o mercado paralelo virou coisa de bandido e que não tem a menor importância. Na vida real, o BC mandou um recado aos operadores desse mercado de que, se eles não se moderarem, terão guerra. A alta do "black" não é assim tão inócua: ela acaba atraindo a venda de ouro do garimpo para esse mercado, o que aumenta a demanda e acaba alimentando o próprio ágio.
O salto no "black" começou em outubro, quando ficou em 7,05% pelos cálculos da Trend Análise Econômica. Em novembro, a média caiu um pouco, para 5,98%, mas em dezembro voltou a subir.
Existem várias razões que explicam a alta do dólar no paralelo, algo que havia desaparecido da vida nacional desde o final de 93. Os mais afoitos, contudo, devem ir com calma: existem também boas razões para prever um recuo, que já começou neste mês de janeiro.
O mercado paralelo, de fato, acabou se transformando no escoadouro do dinheiro ilegal, mas quem andou puxando a cotação do "black" não foram traficantes do morro Dona Marta. Em parte, foram os sacoleiros que fazem microcontrabando nas cidades fronteiriças com o Paraguai, especialmente em Ciudad del Este. Contribuíram, também, alguns viajantes para o exterior.
O comércio dos sacoleiros no Paraguai movimenta um volume estimado por técnicos do BC e pelo mercado em algo entre US$ 5 bilhões e US$ 8 bilhões por ano. No passado, os sacoleiros levavam reais ao Paraguai, e os lojistas trocavam os reais por dólares nas agências de bancos brasileiros. Esses bancos faziam a operação via mercado flutuante de dólar.
Desde a carta circular nº 2.677 do BC, de abril deste ano, essa operação ficou mais complicada. Transações superiores a US$ 10 mil precisam ser identificadas, e o canal para transformar dólares no flutuante em reais só vale para os próprios bancos, que assumem a responsabilidade da operação.
Quando a nova regra entrou em vigor, em abril, parte dos reais dos sacoleiros acabou indo parar no paralelo, e o ágio disparou. O BC, então, liberou alguns bancos para continuarem operando com os lojistas paraguaios, e o ágio acabou recuando, embora não para o nível anterior.
No final do ano, o BC apertou novamente a vida dos bancos de fronteira. Uma fonte diz que o BC identificou que um dos bancos autorizados a fazer o câmbio para os lojistas, na verdade, tinha feito uma operação para uma casa de câmbio. O BC teria suspenso a autorização informal para esse banco operar com os sacoleiros, e o mercado acabou concentrado em poucas mãos.
Um banco privado do Paraná, o Araucária, ficou com a maior parte do mercado de troca de reais dos sacoleiros/lojistas por dólares no flutuante. Tanto que acabou sendo o terceiro maior banco operador no mercado flutuante em dezembro, ao lado de pesos pesados como Citi, Garantia e Boston.
Só que o BC impôs um limite aos bancos para esse tipo de operação. Como dezembro, empurrado pelo Natal, tem um enorme movimento de sacoleiros, parte da troca acabou sendo feita no paralelo. De outro lado, como poucos bancos operavam, puderam puxar as cotações.
Outra razão foi o fato de o BC ter revivido, em dezembro, uma velha exigência que havia caído em desuso: para comprar dólares para viajar, só com cheque pessoal do viajante ou débito em sua conta corrente. A exigência pegou muitos viajantes desprevenidos, que acabaram comprando dólares, de última hora, em agências de turismo e casas de câmbio. Com a demanda, esses operadores aproveitaram para puxar as cotações.
O fim das festas e a redução nas viagens aliviará o paralelo. Uma pressão adicional do BC poderá acelerar o processo.

E-mail: CelPinto@uol.com.br

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