São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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Somos todos economistas?

MAILSON DA NÓBREGA

O brasileiro que viaja a países desenvolvidos deve sentir uma ponta de inveja com o grau de conhecimento do público sobre temas econômicos.
Não quer dizer que o homem do povo domine conceitos sofisticados ou raciocine com base em intrincados modelos econométricos.
O conhecimento é, todavia, amplo quando o fenômeno pode ser percebido apenas com boa informação e bom senso. Isso é verdadeiro principalmente em temas como tributação e inflação.
Nesse ambiente, a sociedade se protege contra o charlatanismo e as idéias simplistas, como as que sugerem ser possível o desenvolvimento sem renúncia e a solução de problemas sem custos.
As organizações influentes ajudam. O jornal "Washington Post" encomendou em 1989 ao economista Paul Krugman um texto curto sobre a economia americana, que fosse acessível ao público não-profissional sem perder qualidade intelectual.
O livro ("The Age of Diminished Expectations") tornou-se um best seller. Uma parte do êxito veio da sua linguagem simples, incisiva, deliciosa e, não raro, polêmica. A outra, sem dúvida, derivou do interesse geral pelo tema.
A "alfabetização econômica" se deve a trabalhos desse naipe e, claro, ao nível de educação e de renda, que permite ao público focar seu interesse em questões complicadas para a maioria da população nos países em desenvolvimento.
Outro exemplo é o Orçamento na Inglaterra e o impressionante interesse das pessoas pelo assunto.
Tudo começa com a apresentação ao Parlamento, um ato cerimonioso e impregnado de forte simbolismo.
A discussão pública dura dias. Mesas-redondas na televisão, extensas matérias na imprensa, editoriais, críticas e aplausos. Dificilmente se encontrará alguém sem um mínimo de familiaridade com o tema.
Nossa população está longe desse grau de compreensão sobre a economia. Diz-se que nos ligamos para valer apenas no futebol, no qual seríamos todos técnicos.
Mesmo aí já avançamos. Basta ver a adoração por Ayrton Senna e o interesse pelas Fórmulas 1 e Indy, sem falar na torcida pelas moças do voleibol e nas medalhas olímpicas em esportes chiques, como o hipismo e a vela.
A novidade é a crescente familiaridade com temas econômicos. Uma das mais importantes fontes da mudança tem sido a estabilidade da moeda.
Aos poucos, o contato com a realidade da economia de mercado e com novas informações está moldando uma outra cultura.
Dependendo do assunto, a mudança demora mais. Ainda tem gente, incluindo os Procons, pensando que as tarifas bancárias deveriam ser tabeladas. Agora se vê que elas caem com a competição.
Antes se aceitava que precisaríamos de um pouco de inflação para crescermos. Agora, vê-se que isso não serve ao país. Entender o valor da estabilidade, perceber que ela é boa para cada um de nós, é um raciocínio complexo.
Assim, quando FHC e o Plano Real exibem elevados índices de popularidade, todas as classes sociais, principalmente os extratos mais baixos, dizem precisamente que gostam da estabilidade.
Em assuntos adequadamente debatidos, a resposta já é rápida e coerente.
Vejam-se as pesquisas que mostram alta rejeição a aumentos de impostos, tema que passava ao largo da opinião pública até recentemente.
Outro dia, o jornal "O Estado de S.Paulo" efetuou uma pesquisa sobre a privatização da Cia. Vale do Rio Doce. A maioria se disse a favor, mesmo sem saber direito o que faz a empresa. Venceu a idéia da privatização, outro conceito complexo que começa a vingar.
Essa novidade ainda vai demorar a chegar nas regiões mais atrasadas do país, mas é interessante verificar, parafraseando a idéia do país do futebol, que estamos todos tornando-nos economistas.
A evolução tem efeitos políticos não desprezíveis. A compreensão crescente das questões econômicas constitui ingrediente essencial para o apoio social às reformas e à moralidade na administração pública. O "gersismo" perde força.
Podemos, por fim, estar construindo uma cultura contrária à corrupção, ao populismo e às promessas vãs dos demagogos. Ainda levará tempo, mas os sinais são animadores.

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