São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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Olhai a agricultura

EVARISTO MARZABAL NEVES

O fim do ano se caracteriza não somente pelo aspecto festivo, mas também como época de balanço e de previsões, baseados num sem-número de indicadores técnicos, socioeconômicos, administrativos e financeiros.
Vamos fixar nossa atenção em cinco pontos. 1) A inflação de 96 medida pelo IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado/FGV) ficou em 9,20%, correspondendo ao menor resultado alcançado desde a sua criação (1989). Desde 1957, a FGV não registrava inflação de apenas um dígito.
2) O IPCA-E (Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial/IBGE) registrou uma alta acumulada de 9,92% em 1996, ficando abaixo dos 10% ao ano também. O grupo alimentação-bebidas variou 2,36%, apenas.
3) Pesquisa do Datafolha mostrou que os paulistanos pagaram em dezembro, em média, preços de 30 meses atrás, quando foi implantado o Plano Real. Alguns produtos apresentaram queda de preços nos supermercados, variando entre 1% e 14%, como carnes, massas, óleo de soja, feijão, leite, entre outros.
4) No Real, o custo dos alimentos da cesta básica (Procon/Dieese) variou de R$ 85,67 (30/06/94) a R$ 86,51 (20/12/96), um acréscimo próximo a 1%, enquanto a inflação medida pelo IGP-M cresceu 89,3% (incluindo julho de 94).
5) O faturamento das indústrias de alimentos experimentou um crescimento de 4%, atingindo US$ 63 bilhões em 1996, contra US$ 58,9 bilhões em 1995.
Seria possível nos apoiarmos em outros indicadores, que revelariam que a agricultura e a cadeia agroalimentar "seguraram a barra" da cultura inflacionária do país e representaram, efetivamente, a âncora (verde) do Plano Real.
E olhem que, no balanço sobre as ações propostas para cinco metas prioritárias (estabelecidas no documento "Mãos à Obra, Brasil", de 94), o governo federal ainda está devendo à agricultura e, por extensão, à cadeia agroalimentar.
Para o tempo que resta ainda, visando a efetivação da proposta de governo, é de acreditar que o setor agroalimentar poderá corresponder ainda mais se atendido em suas reivindicações socioeconômicas.
A agricultura já não é mais vista como um setor isolado (dentro da porteira), mas fortemente interligado com os demais setores da economia.
Mundialmente, é reconhecido que o agronegócio é a mais longa cadeia de qualquer economia internacional. É sabido, também, que ações pontuais para o setor não têm obtido o resultado desejado e têm eficácia comprometida.
Consciente disso, o governo federal vem entendendo que a complexidade da cadeia agroalimentar requer ações sistêmicas, que exigem atenções e correções em todos os elos, diante do pressuposto de que "nenhuma corrente é mais forte do que seu elo mais fraco". É este, afinal, que dita a capacidade competitiva da cadeia e que acaba comprometendo a eficiência de outros elos.
Nesse sentido surge, em tão boa hora, o Fórum Nacional da Agricultura, coordenado por Roberto Rodrigues (pela iniciativa privada) e por Ailton Barcelos, secretário executivo do Ministério da Agricultura. São 34 grupos temáticos que vêm discutindo os pontos fortes e fracos, as ameaças e oportunidades para a cadeia agroalimentar e a socioeconomia agrícola brasileira, desde o antes da porteira até o consumidor final, passando pelos problemas agrários. Esses grupos reúnem forças vivas do conhecimento (científico e aplicado, público e privado) e lideranças dos movimentos sociais.
A discussão e a apresentação de propostas dentro de cada grupo são pontuais, mas a conclusão do fórum será sistêmica. Poderão estar aí a concretização e a consolidação de uma política nacional agrícola e agrária, de longo prazo, que erradique os casuísmos extemporâneos e desequilíbrios latentes no setor.
Inúmeras pesquisas evidenciam que estão na agricultura e na agroindústria, talvez, os segmentos mais competitivos da economia internacionalmente. Basta organizá-los e contemplá-los com políticas de longo prazo.
Portanto, nesse tempo que resta, olhai a agricultura e o seu encadeamento para a frente e para trás, antes que seu fôlego se acabe. Certamente, o Plano Real se sustentará e o povo brasileiro agradecerá.

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