São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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Delfim e Simonsen

LUÍS NASSIF

A cada período, intelectuais de maior renome do período anterior passam a disputar o título de guru das novas gerações. Depois de diluído o pesado maniqueísmo que marcou a discussão econômica, as disputas estão entre os professores Antonio Delfim Netto e Mário Henrique Simonsen.
Simonsen é o guru de uma espécie de pensamento econômico moldado em torno do mercado financeiro; Delfim, de um pensamento econômico mais industrialista, que inclusive levou-o ser considerado "economista do ano" em votação da Ordem dos Economistas de SP -que sempre lhe foi crítica nos últimos 15 anos.
No poder, foram diametralmente opostos.
Embora dos brasileiros mais inteligentes de seu tempo, não se pode dizer que Simonsen tivesse um projeto de país na cabeça. Tanto que, mesmo sendo intelectualmente mais brilhante que João Paulo dos Reis Velloso -seu colega de ministério no governo Geisel- e tendo com o marechal relações quase filiais, foi incapaz de defender um modelo de economia de mercado que pudesse se contrapor ao dirigista do seu pertinaz colega.
No período posterior, em que uma inflação renitente tornava quase inúteis todos os instrumentos de política econômica, Simonsen recorria exclusivamente à abordagem monetária e cambial para explicar algo tão grandiosamente complexo como a economia brasileira -com setores modernos e anacrônicos convivendo simultaneamente.
Já Delfim, mais do que mero economista, tinha a pretensão de redesenhar o país. Era uma visão sujeita a inúmeras críticas, mas era uma visão.
No primeiro reinado, governo Médici, foi uma espécie de Marquês de Pombal brasileiro. Sonhava criar uma elite industrial que conduzisse o país ao seu destino de glória.
Criou a elite com financiamentos a fundo perdido, incentivos fiscais abundantes, sem seletividade e sem controles e reservas de mercado. O fator competitivo se daria por meio do modelo exportador, que obrigaria essa vanguarda a pautar sua produção por critérios internacionais de qualidade e preço.
No curto prazo, logrou atingir seus objetivos.
Mas, da mesmíssima maneira que no Portugal pombalino, o modelo trazia em si o germe de sua autodestruição -que era a falta de um ambiente competitivo interno, que permitisse a renovação permanente dos empreendedores nacionais.
Havia pouco espaço para os de fora da avenida Paulista.
Sem esse ambiente, o modelo não conseguiria sobreviver ao criador -Pombal ou Delfim.
No segundo reinado, no governo Figueiredo, Delfim foi autor de alguns desastres, além de jamais ter demonstrado paciência para plantar reformas.
Mesmo assim, o conhecimento de país e de economia que acumulou é insuperável e vai muito além da mera macroeconomia. Passa pela agricultura, política industrial, a natureza do empresário brasileiro, os humores do Congresso Nacional, o universo da microeconomia, os mecanismos de comércio exterior, além de uma capacidade didática extraordinária. De longe, sua crítica sobre o Real e o câmbio foi a mais completa.
Pesa contra Delfim apenas a paixão política que o leva, por vezes, a subordinar a análise econômica a conveniências partidárias.
E viva Ignácio Rangel que, sem ser estrela, foi o que melhor ajudou a pensar o novo.

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