São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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Versão é monumento ao kitsch pós-moderno

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON\

A história de "Romeu e Julieta" já foi reinventada muitas vezes. Não há nada de mais que ela tenha agora virado um monumento ao kitsch punk pós-moderno, na versão de Baz Luhrmann, com Leonardo DiCaprio e Claire Danes.
O filme pretende ser muito contemporâneo mas tem diversos elementos que parecem saídos dos anos 60: um ritmo frenético de ópera-rock, o abuso da utilização dos símbolos da cultura de massas (outdoors, televisão, videoclipe) e o tom escatológico-sexual. Qualquer coisa como "Tommy".
Embora não tenha nada a ver com o formato lírico-piegas de seu mais recente predecessor nas telas, o dirigido por Franco Zefirelli em 1968 (há outras duas versões disponíveis em vídeo, uma de 1983 e outra de 1988, mas a primeira é a filmagem de uma montagem teatral e a segunda, uma minissérie da TV inglesa), este "Romeu e Julieta" ainda se curva ao romantismo ingênuo da história original, apesar de suas intenções iconoclastas.
A idéia de transferir a ambientação do drama para uma área metropolitana dos EUA do século 20 (Miami, neste caso) e de transformar as famílias dos heróis em gangues de rua rivais nem é tão original quanto pode parecer.
Ela já havia sido usada em 1959 por Leonard Bernstein e Stephen Sondheim (só que a cidade era Nova York) em "West Side Story", que Robert Wise traduziu para o cinema em 1961 com raro talento.
Texto intocado A contradição mais interessante do filme do espalhafatoso Luhrmann, mais um cineasta australiano que faz a América, está na sua escolha de manter o texto de Shakespeare intocado apesar de subverter tudo o mais da peça.
O efeito é desconcertante, quase tanto quanto o da linguagem da ópera tradicional (japoneses de "Madame Buterfly" ou índios brasileiros de "Il Guarany" cantando em italiano).
Pode não ter sido esse o objetivo de Baz Luhrman, mas o ridículo contraste dos versos medievais ditos no ambiente deste "fin-de-siécle" é o que o filme tem de novo.
DiCaprio e Danes são quase tão lindos quanto Olivia Hussey e Leonard Whitting na versão de Zefirelli e talvez um pouco mais talentosos. Prestam-se com perfeição ao papel de objetos eróticos que Luhrman lhes reservou e seu desconforto com o texto clássico chega a ser gracioso.
Luhrman é um diretor inteligente, criativo e com grande senso de apelo para o seu público-alvo juvenil. Se comete algum pecado neste "Romeu e Julieta" é o do excesso, talvez o mais perdoável de todos.
(CELS)

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