São Paulo, sexta-feira, 10 de janeiro de 1997
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Filme de Luhrmann tem pouco de teatro

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

Pouco tem de teatro, este "Romeu e Julieta". Ou ainda, "Romeu + Julieta", sendo "+" um ícone da cruz, em fetiche católico de cultura "pop" à maneira de Madonna.
O filme de Zeffirelli (1968) ainda guardava muito nas atuações, na encenação "de época", até por vir do palco. Foi de tal qualidade, na singeleza dos personagens, na adaptação conhecedora, na própria emissão dos versos elizabetanos, que tornou temerosa toda nova versão.
Foi assim também com o "Hamlet" (48) de Laurence Olivier, enfrentado agora, afinal, por um irlandês feio e talentoso. Mas Kenneth Brannagh ainda vem do palco, é experiente ator shakespeariano.
Não é o caso de Leonardo DiCaprio, moldado à imagem de River Phoenix para o mesmo lugar na prateleira, ou de Claire Danes, atriz de televisão, de "sitcom". São descompromissados, atores que encaram Shakespeare com desprendimento ou, mais até, com leviandade.
Os versos acompanham -com vastos cortes- os originais, nas formulações barrocas, no inglês em formação e muito diverso, em ritmo, em significados, do inglês televisivo de ambos. Mas os dois seguem em frente, com o sotaque e uma restrita interiorização, para não dizer compreensão.
Estão no seu pior, aliás, quando buscam compreender e daí explicar o texto; estão no melhor quando levados no jogo melodramático. Lindos jovens, atuam melhor quando se deixam extasiar -ainda que os versos líricos se dissolvam no caminho.
Também fica pelo caminho uma das qualidades maiores da peça, aquela que se imaginaria mais compatível com a inflexão urbana buscada pelo diretor Baz Luhrmann. A tragédia é uma excelência de ação e ritmo; mal deixa respirar na precipitação do amor juvenil.
Mas a fita se alonga, dispersa a sequência com referências obsessivas, veste cenas com "golpes de cinema". Um exagero de "tarantinismos" ganha o primeiro plano, cobrindo a mais triste história de amor, que é o que importa, afinal -e é o que faz valer o filme.
"Romeu + Julieta" seduz, certamente, mas não pela adaptação ao cotidiano violento, com gangues etc. Nesse sentido, "West Side Story" (61), a versão musical, foi mais bem-sucedida, até por abrir o conflito racial, que no novo filme é mascarado.
O que seduz também não é o "coro" em forma de telejornal; nem a violência estetizada, nem Mercúcio de "drag queen". Como no teatro, é o arroubo e o ridículo da tragédia adolescente.

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