São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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Deu macaco no bananal de Gustavo Franco; O DNER descobriu a emergência inútil; A tecnologia política da pre$$ão das bases

ELIO GASPARI

Deu macaco no bananal de Gustavo Franco
A economia brasileira deve duas coisas ao economista Gustavo Franco. A taxa de câmbio e o estilo. Ele escreve com elegância e debate com audácia. Sua argumentação contra a teoria de que o câmbio está defasado tem lugar garantido na história econômica brasileira. Suas palavras:
"O fato de o preço da banana, por exemplo, cair em função de uma supersafra, quer dizer necessariamente que há uma 'defasagem bananal'?"
Nas últimas duas semanas, a teoria do bananal do real levou quatro tiros. Nenhum veio dos suspeitos de sempre. Quase todos, de frequentadores da praia da francofilia financeira. A saber:
1) O presidente mundial do Banco de Boston, Henrique Meirelles, disse que, com o déficit comercial que se fabricou no Brasil, a economia vai para dois desfechos: o mexicano ou o argentino. O México quebrou. A Argentina caiu numa recessão de emagrecer urubu. (Incluindo o dinheiro gasto pelos turistas, o déficit comercial de 1996 passou de US$ 8 bilhões. O maior da história.)
2) Um estudo do banco Morgan apontou para o risco de uma crise de confiança se as contas externas continuarem no caminho em que estão. (Em 1996, as exportações latino-americanas cresceram 13%; as brasileiras, 2,7%.)
3) Um estudo do BNDES intitulado "Abertura Comercial e Indústria" pediu: "É preciso que se retorne a uma trajetória de desvalorização real da taxa de câmbio".
4) A economista Eliane Cardoso, que foi até chefe da assessoria internacional do ministro Pedro Malan, avisou: "O uso continuado da taxa de câmbio como âncora para reduzir a inflação colocou a economia brasileira num caminho parecido com o mexicano".
A teoria bananal do câmbio não é invenção de Gustavo Franco. Foi usada para derrubar a inflação no Chile e na Argentina dos anos 70. Resultou na quebra das indústrias dos dois países e na seguinte crueldade do professor Albert Hirschman, da Universidade de Princeton:
"Os planejadores chilenos e argentinos tiveram muito menos autonomia do que eles próprios e seus críticos argumentavam. Em vez de serem os soberanos arquitetos de sua própria desgraça, provavelmente devem ser considerados vítimas deploráveis de uma armadilha que o sistema financeiro internacional lhes preparou". (Página 189 de "Auto-Subversão", com prefácio d'El Rey.)

O DNER descobriu a emergência inútil
legenda: Acima, a ponte intocada. Abaixo, o bueiro da emergência
Há algo de estranho acontecendo no 18º Distrito Rodoviário Federal, o braço do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem no Piauí.
No ano passado, ele contratou três obras de porte no Estado. Nos três casos, em caráter de emergência. Em todas as emergências, sem licitação. Todas as obras foram para o mesmo empreiteiro, a construtora Sucesso.
Até aí tudo bem. Ninguém está livre de uma emergência, nem de um empreiteiro qualificado aos olhos do DNER.
Sucede que duas das três obras tiveram a emergência justificada pela chuva. A água teria estragado o acesso a uma ponte sobre o rio Poti, dentro de Teresina, no quilômetro 348 da rodovia BR-343, e interrompido o trânsito num trecho da BR-316. Num caso a emergência foi invocada em junho, e no outro, em novembro. Chuva forte, Teresina não vê desde abril. Os índices pluviométricos de junho e novembro foram irrelevantes.
Não se moveu uma só pá de terra na ponte sobre o rio Poti que fica no quilômetro 348 da BR-343. O generoso Poti só viu obra a dez quilômetros de distância, perto de outra ponte. Mesmo assim essa ponte está intocada. O que se construiu foi um grande bueiro que regularizará o curso das águas pluviais. Ele serve mais ao escoamento dos canos do Teresina Shopping do que à defesa da ponte próxima. O centro comercial pertence ao mesmo grupo da construtora Sucesso.
A outra obra, destinada a restabelecer o trânsito num trecho da BR-316, tem um pé na fantasia. O trânsito da BR-316 nunca foi interrompido. Ele vai bem, obrigado. A construtora trabalhou no pedaço, executando pistas laterais e produzindo consertos cosméticos de calçadas. Nada a ver com emergência que suspendesse licitação.
Resta a terceira obra, no valor de mais ou menos R$ 4,5 milhões. Destina-se a conjurar "a iminência de colapso do tráfego" na rodovia 222, num trecho de 75 quilômetros. Trata-se de uma estrada com trechos muito esburacados. Somando-se todos esses segmentos, não somam dez quilômetros. Assemelha-se às demais rodovias do Nordeste. Não é caso de emergência, muito menos de dispensa de licitação. (A papelada dessa obra tramitou em 24 horas pela distância de 2.000 quilômetros que separam as canetas de Teresina e as de Brasília.)
Um verdadeiro sucesso.

A tecnologia política da pre$$ão das bases
A campanha pela reeleição de FFHH introduziu uma novidade na transação política nacional. É a pressão de baixo sobre as finanças políticas dos parlamentares.
A lei determina que os candidatos a cargos eletivos registrem no tribunal eleitoral a lista das empresas ou pessoas que lhes deram dinheiro para a campanha. Nela se aprende, por exemplo, que o ministro do balcão, Luiz Carlos Santos, teve uma campanha cara (quase meio milhão de reais) e que Companhia Auxiliar de Viação e Obras lhe deu 20% do que gastou.
No caso do voto de Santos, não é necessário usar a pressão do cofre. Outros parlamentares, recalcitrantes, em vez de receberem telefonemas do Planalto ou dos grão-tucanos, receberam visitas dos velhos amigos que os socorreram no aperto eleitoral.
Um empresário pendurado no caixa do governo tem toda a boa vontade em colaborar para que o deputado amigo contribua com a reeleição de FFHH.
Os tucanos, que há mais de dez anos gritaram nas ruas pelas eleições diretas, estão assegurando sua permanência no poder com uma descoberta: mais vale um financiador pressionando do que mil pessoas gritando.

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