São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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A união faz a farsa

JANIO DE FREITAS

Tanto ou mais do que mostrar a divisão verdadeira da Câmara dos Deputados em relação ao projeto de reeleição, o levantamento publicado pela Folha, depois de ouvir 481 dos 513 deputados, ou 93,8% do total, mostra outra realidade, mais lamentável que aquela: a do "jornalismo" fabricante das tantas manchetes e textos apregoando, sem mais fundamento do que a prestação de serviço político, que o governo já tinha apoios mais do que suficientes para aprovar a reeleição.
Ainda antes do levantamento da Folha, a aliança governo-imprensa levava a ironizar aqui, na impossibilidade legal de fazer mais do que isso: "se, na contagem dos votos pró e contra a reeleição, tudo já está tão decidido e assegurado quanto proclamam certas manchetes e políticos governistas, tal certeza precisa também oferecer ao distinto público explicações convincentes para a intensidade e as dimensões da operação, liderada em pessoa por Fernando Henrique, para adquirir apoios ao projeto reeleitoral".
É claro que não poderiam vir explicações. Além de outros motivos mais fortes, porque a situação na Câmara não era apenas nebulosa o bastante para não permitir, sem levantamentos diretos e confiáveis, afirmações de êxito ou derrota já construídos. Combinando-se agora os números que a Folha levantou com deputado por deputado (exceto só os 6,2% não encontrados ou sem resposta), constata-se que a situação diferencia-se do "jornalismo" governista muito mais do que por compreensível e óbvia nebulosidade.
Entre os diferentes partidos, 200 deputados declaram-se favoráveis ao projeto de reeleição tal como o deseja Fernando Henrique. Os contrários são 126 e os que só aprovam a reeleição para o próximo presidente são 62, declarações cuja soma perfaz 188 deputados contrários à reeleição para Fernando Henrique. Não se trata só, porém, de que Fernando Henrique só conte no levantamento com 200 votos seus, e não com os divulgados 330 ou mais, e que sua vantagem seja de precários 12 votos sobre 188 contrários ao seu projeto. Há algo mais importante, porém.
Por diferentes razões, 75 declararam-se indecisos. É certo, porém, que alguns o fizeram por força de circunstâncias, e não porque estejam indecisos. Dos 75, pelo menos 12 e possivelmente 13 ou 14 são contrários à reeleição ou só a aceitam a partir do próximo presidente. Considerando-se a certeza menor, de 12, sua soma com os 188 totaliza 200 contrários à reeleição que beneficie Fernando Henrique. Ocorre aí o empate de 200 a 200.
Sabendo-se que a Câmara tem 513 deputados e que 200 não o apóiam, sobram 313 para Fernando Henrique assegurar, entre eles, os 308 votos indispensáveis à aprovação do projeto reeleitoral. A margem de cinco entre o total existente e o necessário é, convenhamos, muito apertada.
Com os meios financeiros e administrativos de que está dispondo, sem falar nas listas de débitos bancários e outras listas, Fernando Henrique pode muito bem adquirir os votos complementares para aprovar a reeleição. O que seria um fato a acontecer ainda, como demonstra a pesquisa direta, deputado a deputado, que retratou a realidade da Câmara e, no mesmo negativo, o "jornalismo" de alianças que não incluem o leitor que por ele paga na banca ou na assinatura.
Foi a realidade da Câmara captada pela pesquisa, e não o pretexto regimental divulgado, o motivo verdadeiro que levou a tropa-de-choque da reeleição a sair de mais uma reunião, mais uma vez na casa do presidente (Luís Eduardo Magalhães) do suposto poder independente que é a Câmara, já falando em mais um adiamento da votação -a qual, depois de inúmeros outros adiamentos, seria no dia 8, passou para o dia 12, para 13, depois para 15 e, agora, pretendida para um dia na casa dos 20.
Mais um ou menos um adiamento não faz mal. Há mais de um ano que o governo e o Congresso estão absolutamente parados para qualquer atividade que não seja voltada para a reeleição de Fernando Henrique.

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