São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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Escolas de samba levam loucos à avenida

MÁRIO MOREIRA
DA SUCURSAL DO RIO

Mais que em outros anos, o desfile das escolas de samba do Rio promete se transformar numa grande loucura neste Carnaval.
Duas escolas do Grupo Especial, Salgueiro e Porto da Pedra, escolheram enredos abordando a loucura, mas com enfoques e desenvolvimentos muito distintos.
A Porto da Pedra apresentará "No Reino da Folia, Cada Louco com Sua Mania", onde o carnavalesco Mauro Quintaes, 39, tentará mostrar a capacidade criativa das pessoas tidas como loucas.
Embora inclua também essa linha em seu enredo "De Poeta, Carnavalesco e Louco Todo Mundo Tem Um Pouco", Mário Borrielo, 50, tem planos mais ambiciosos para o Salgueiro.
A tese central é a idéia de que o próprio desfile é não apenas uma forma de diversão, mas uma obra de arte, uma "grande instalação".
Mesmo com enfoques diferentes, os dois enredos têm muito em comum, como a citação a Arthur Bispo do Rosário.
Considerado louco, ele foi interno da Colônia Juliano Moreira, no Rio, durante cerca de 50 anos, período em que criava roupas e obras de arte que chegaram a ser expostos na Bienal de Veneza (Itália).
Nas duas escolas, Bispo do Rosário simboliza o quanto, na visão dos carnavalescos, os conceitos de arte e loucura se misturam.
Outra semelhança está no uso da imagem de dona Maria 1ª, que ganhou o apelido de A Louca.
A Porto da Pedra dá início ao desfile com sete personagens célebres por suas "loucuras": Fantasma da Ópera, Dom Quixote, Raul Seixas, Menino Maluquinho, Nijinsky e Bispo do Rosário.
No desfile do Salgueiro, dona Maria 1ª tem papel mais complexo. Ela "recepciona" os intelectuais da Academia Brasileira de Letras e os "introduz" na cultura européia. A partir daí, os acadêmicos são apresentados a artistas cuja obra tem relação com a loucura ou a percepção da realidade, como Van Gogh e Salvador Dalí.
"Nesse momento, os intelectuais se perguntam se aquilo é arte ou loucura", diz Borrielo. Em seguida, os acadêmicos "visitam" a médica Nise da Silveira, 92, fundadora do Serviço de Terapia Ocupacional do Hospital Pedro 2º.
O final do desfile do Salgueiro trará o barracão de uma escola de samba como um grande ateliê de arte, onde o carnavalesco funciona como "arquiteto dos sonhos".
Os dois carnavalescos não parecem preocupados com comparações. "Tanto quanto sei, as abordagens são diferentes", diz Borrielo. "Quando soube que o Salgueiro falaria de loucura, fiquei indignado, mas passou. A comparação pode até ser boa", diz Quintaes.
'Loucos' na passarela
Tanto o Salgueiro quanto a Porto da Pedra terão, entre seus desfilantes, usuários de instituições psiquiátricas. A Porto da Pedra contará com pacientes do Instituto Philippe Pinel e do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói.
Ambas as instituições integram a Luta Antimanicomial, movimento contrário ao confinamento dos doentes em manicômios, e adotam tratamentos que fazem os pacientes darem vazão à criatividade.
No caso do Pinel, a principal experiência nesse sentido é a TV Pinel, produzida pelos usuários.
A Porto da Pedra terá uma ala inteira de usuários do atendimento psiquiátrico e funcionários, como médicos, enfermeiros e terapeutas. Eles desfilarão com vestes semelhantes ao uniforme (não obrigatório) usado no Pinel.
A paciente Daisy Contocanis, 47, está entusiasmada. "Sempre quis desfilar, mas minha mãe e meu ex-marido, nunca deixaram."
Os usuários do Jurujuba sairão no carro alegórico de dona Maria 1ª, fantasiados de plantas carnívoras -a ex-monarca temia vir ao Brasil por medo dessas plantas.
Pelo Salgueiro, desfilarão usuários da Juliano Moreira e da Casa das Palmeiras, que mostrarão as pinturas e desenhos que criaram durante seu tratamento.

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