São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 1997
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Eurásia pode ser novo sistema econômico

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Atualmente a "globalização" convive com o "regionalismo aberto". Ou seja, há tendências de liberalização e mundialização da produção, do comércio e das finanças, mas ao mesmo tempo surgem projetos de desenvolvimento regional.
O resultado dessa tensão entre modelo econômico universal e interesses econômicos regionais continua sendo assunto para a especulação.
Não está claro ainda quais são os limites da globalização, se é que os há. Mas também não está claro que tipo de iniciativa regional terá sucesso.
Nafta, Mercosul, União Européia e Apec são hoje as siglas mais fortes no panorama mundial de "regionalismos". Mas esses vários projetos (em maior ou menor grau, são todos projetos ainda) ainda preservam uma divisão tradicional do planeta em Américas, Ásia e Europa.
Deveríamos dar mais atenção a outras combinações possíveis. Uma delas parece especialmente interessante e tem recebido pouca atenção na imprensa. Seria a Eurásia, a integração de um território gigantesco que até poucos anos atrás era impensável, em função da "Cortina de Ferro" (assim era denominado o bloqueio às potências ocidentais por parte dos países comunistas do Leste Europeu).
Discutem-se muito os efeitos do final da Guerra Fria, mas pouco se fala dessa transição gradual que coloca europeus e asiáticos em contato cada vez mais estreito.
A Alemanha tem feito de tudo para não magoar os chineses. Os países europeus têm uma atitude muito mais condescendente com os países árabes do que os Estados Unidos.
Isso significa uma presença mais forte do Estado. Ter consciência desse fato significa preparar-se para uma surpresa bastante provável daqui a uns cinco ou dez anos.
Países como China, Índia e Rússia, ao lado de França, Alemanha ou Itália, provavelmente estarão em posição de liderança no próximo século. Em todos esses casos, o modelo mais ou menos capitalista tem "genes" estatais dominantes.
A "surpresa" seria a seguinte: lado a lado com gigantescas empresas transnacionais, o poder econômico no mundo estaria concentrado em economias sujeitas a forte regulamentação estatal. Isso depois de praticamente 30 anos de políticas liberais terem sido anunciadas ou implementadas, integral ou parcialmente, no mundo todo.
Assim, embora atualmente muita gente se assuste e alguns tenham até alergia ao "neoliberalismo", algumas das potências emergentes do século 21 têm pouca ou nenhuma tradição e convicção nas virtudes do mercado em si mesmo.
Esse movimento, por enquanto apenas uma possibilidade, pode criar um centro de gravidade no poder mundial suficiente para incomodar os projetos que hoje em dia parece que vieram para ficar, como Nafta, União Européia ou Apec.
Entretanto, não se trata apenas de conjeturas geoeconômicas. Basta observar, nas últimas semanas, as rusgas entre a Rússia e os Estados Unidos relativas à incorporação de países do Leste Europeu pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan).
Há um grupo de países do leste que está conseguindo avançar com mais sucesso na transição para regimes de mercado. Os EUA, diante de uma Rússia política e economicamente debilitada, têm pressa. Os russos estão reagindo vigorosamente à idéia. Vale recordar, aliás, que o presidente Ieltsin colocou para fora do governo, recentemente, o general Lebed, conhecido por suas posições militares mais duras.
Esse confronto é talvez o primeiro sinal, por parte dos EUA, de que uma realidade "eurasiática" faz sentido. Especialmente para a Rússia, que, mesmo sem resgatar o delírio "imperialista" que lhe parece inato, pode aproveitar uma oportunidade histórica de transformar-se num elo entre Ocidente e Oriente.

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