São Paulo, segunda-feira, 13 de janeiro de 1997
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'Degenerados' revivem o cabaré

MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

Em Berlim, por motivos misteriosos, a valsa alemã encontrou o jazz. Ao redor se juntaram prostitutas, cantoras e músicos. Era a Alemanha de Weimar (1919-1933), da inflação desumana e da alta cultura. Chamaram a isso cabaré.
"Berlin Cabaret Songs" é o mais novo lançamento do selo Decca para a coleção "Entartete Musik" (música degenerada), que ambiciona resgatar os músicos, canções e personagens que, após a ascensão do nazismo, foram condenados, por ordem de Adolf Hitler, ao mais completo esquecimento.
Entre aqueles que conseguiram partir para a América ou Suíça, no momento das condenações e perseguições, estavam os donos de pequenos cabarés berlinenses: Rudolf Nelson, Mischa Spoliansky e Friedrich Hollander.
Os três tinham em comum o meio de vida e o piano. O resultado foi uma série de canções que, por quase 70 anos, eram apenas sussurradas entre aqueles que atravessaram a Segunda Guerra e nunca se deixaram iludir por bandeiras, suásticas e flâmulas
"Ich Bin ein Vamp!", "Sex-Appeal" e "Maskulinim-Femininum". Por obra do maestro Robert Ziegler suas canções -e também de Berthold Goldschmidt- sobre o amor pelo mesmo sexo ou à luxúria podem agora ser ouvidas na voz da cantora Uter Lemper.
Lemper é o que os franceses definem por "chanteuse". Uma mulher não só capaz de cantar, mas de se atirar ao chão por desespero, bater com os punhos no próprio peito e gargalhar de ódio ou repulsa usando, apenas, a voz.
Com seu rosto que é quase uma homenagem a Marlene Dietrich (que encarnou no filme "O Anjo Azul", de 1930, as esperanças e decadências do período), Lemper é uma reincidente.
Sua voz, face e trejeitos se projetaram em 1988 pela gravação de "Ute Lemper Sings Kurt Weill". Na época conseguiu colocar o alemão Weill, aquele que muitos têm como o rei do gênero, entre os mais vendidos.
Enquanto a Europa ouve os velhos cabarés, a América prefere entendê-los por meio de suas partituras e escritos.
E, mais uma vez, o alvo é Weill (1900-1950), um compositor que, apesar de ter escrito concertos e óperas, parece ser lembrado apenas pelas canções "I'm a Stranger Here My Self" ou "Speak Low", de sua fase de imigrante na América.
"Embora os nazistas tenham rotulado sua música de 'degenerada' em 1933, por uma variedade de razões, ele escreveu pouco para cabarés", disse à Folha David Stein, assistente editorial dos arquivos pertencentes à Fundação Kurt Weill, nos EUA.
Stein faz parte do "Weill Edition", que pretende relançar, em edições críticas, toda a obra do compositor em 35 volumes. De suas colaborações com o dramaturgo Bertolt Brecht (1898-1956) às trilhas para Hollywood.
O primeiro volume, "Die Dreigroschenoper", já pode ser comprado. O preço é US$ 150.
Esses são hoje os novos elementos para tentar entender o que ocorreu com a Alemanha no mundo pós-Primeira Guerra.
Um país que mesmo na mais completa decadência econômica se transformava também em paraíso para toda a experimentação.
Com a chegada das fardas cinzas e do hitlerismo, tudo mudou rapidamente. Os cabarés foram fechados e os discos, escondidos, apesar de serem de fácil identificação.
As mulheres na capa geralmente usavam negro e cantavam estar "perdidas na escuridão", acrescentando que tudo sempre termina "cedo demais".

Weill-Lenya Research Center (7 east 20th Street, Nova York, NY; fone: 001/212/505-5240).

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