São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
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O plebiscito evita a crise

ELIO GASPARI

O governo nunca teve certeza de que dispunha dos 308 votos necessários para aprovar a emenda da reeleição na Câmara dos Deputados. Até porque sabe que não se entra num plenário precisando de 308 votos sem se ter apalavrados pelo menos 320. O ministro Sérgio Motta quase acreditou que tinha. FFHH quase acreditou nele.
Viveu-se num mundo virtual, com estratégias fantásticas, muito gogó e a esperança recôndita de que seria possível produzir um falso fato consumado que levasse parlamentares recalcitrantes a aderirem enquanto era tempo.
A manobra falhou. Um sucesso fabricado pela fantasia pode acabar numa fantasia fabricando uma crise política. Uma daquelas crises parecidas com a de 1961, quando Jânio Quadros tentou ampliar seus poderes presidenciais e, manipulando subjetividades, quase desgraçou o país.
FFHH já fez diversas coisas parecidas com Jânio. Diz que não tem interesse pessoal na reeleição. Pois Jânio fez mais: escreveu uma carta dizendo que renunciava à Presidência, quando o que queria era expandi-la. Diz que não negocia votos. Pois resta saber o que fazem os ministros Sérgio Motta e Luiz Carlos Santos. (A maneira como seu governo afogou a investigação da lista dos deputados que tinham contas no Banco do Brasil informa até mesmo que joga bruto.)
Quando FFHH pergunta ao PMDB, dramaticamente, "de que lado vocês estão", sabe que está levando a coreografia longe demais. Desde que o dr. Ulysses sumiu no mar não há no mundo pessoa capaz de descobrir de que lado está o PMDB. Às vezes fica do lado de dentro (para inveja de quem está fora), como aconteceu no Banespa. Em outros casos, do lado de fora, como no Carandiru (para desgraça de quem estava dentro).
Nos próximos dias FFHH deverá tomar uma das mais duras decisões de seu mandato. Vai ao plenário ou joga sobre a mesa a carta do plebiscito?
Vai ao plenário e ganha. Será saudado como um mestre da política, astucioso como Macunaíma, sereno como Sidarta.
Vai ao plenário e perde. Seu governo sangrará na jugular. Vira um caso raro de administração bem sucedida que conseguiu se suicidar a caminho da cerimônia de coroação.
Até ontem FFHH não tinha conselheiro credenciado que lhe assegurasse três quintos de possibilidades de ganhar no plenário. Ele próprio admitia que pode estar diante de um jogo muito alto para aceitar uma aposta com 50% de chances de derrota.
Pior que isso, um jogo no qual pode perder para um movimento hoje liderado pelas figuras históricas de Orestes Quércia e Newton Cardoso, ex-governadores de São Paulo e Minas Gerais que marcaram a ferro quente a história dos Estados por cujos palácios passaram. É uma dupla que nem na vitória estimula a cumplicidade. O caminho da prudência e até mesmo da estabilidade política aconselha o presidente a abandonar a batalha do plenário, jogando seu futuro num plebiscito. Para ir buscar a opinião popular ele precisa apenas da maioria da Câmara, e não mais dos três quintos em que está pendurado.
Um plebiscito exclusivo, que não patrocine a reeleição dos governadores e dos prefeitos, terá a virtude de causar menos danos às instituições políticas brasileiras. Além disso, permitirá o fechamento do balcão de votos, prestes a entrar no capítulo das indecências. Finalmente, produzirá um resultado legítimo.
Convocar um plebiscito depois de uma derrota no plenário será uma monstruosidade. Nesse caso, não buscará na vontade popular a resposta a uma pergunta relacionada com a extensão de seu reinado, mas a avacalhação do Congresso, poder republicano em que passou a maior parte de sua vida política.
Até a semana passada o Planalto acreditou que era mais fácil passar a reeleição pelo PMDB (por dentro) do que pelo povo (por fora). Agora, mesmo que tenha motivos para apostar numa vitória no plenário, sabe que o preço da derrota é uma crise. Uma crise daquelas que só a cabeça de Jânio Quadros podia fabricar.

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