São Paulo, quarta-feira, 15 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A retórica dos intelectuais

LUÍS NASSIF

Nos últimos 15 anos, os intelectuais exerceram influência considerável nos diversos partidos políticos e na vida nacional. A ponto de assumirem funções executivas em sucessivos governos -algo impensável na maioria dos países modernos, onde apenas intelectuais com vocação gerencial (tipo raríssimo) assumem funções operacionais.
Para a maior parte deles, seu instrumental político residia no exercício de alguns truques de retórica, o mais manjado dos quais foi a chamada "retórica do fim do mundo" -façam o que eu digo, senão o mundo acaba. Curiosamente, essas armas retóricas não são "coisas nossas".
No livro "Auto-Subversão" (Companhia das Letras, 1996), o economista Albert Hisrchman -alemão radicado nos Estados Unidos, que se tornou um dos mais importantes especialistas em teoria do desenvolvimento do século- dá uma aula magistral sobre esse jogo de retórica, utilizado de maneira abundante no Brasil. E passa lições fundamentais a todos os cultuadores das opiniões peremptórias, e os cultivadores da imutabilidade das opiniões.
Dupla retórica
Um dos capítulos primorosos é a análise que faz do instrumental retórico dos chamados "reacionários" e dos "progressistas".
De lado a lado, Hirschman identifica três tipos de truques retóricos. O primeiro -dos "reacionários"- é a "tese da perversidade". No caso brasileiro: a privatização trará o caos; a globalização levará os pobres à miséria absoluta etc. (exemplos nacionais da coluna).
A contrapartida progressista é semelhante. Se não for aprovada tal reforma, será o caos. O mundo vai acabar, a menos que me ouçam.
O segundo tipo de retórica "reacionária" é a "tese da futilidade", menos sofisticada e mais irritante. O mundo é mal mesmo, e não adianta tentar mudá-lo.
A contrapartida "progressista" é valer-se do álibi do "curso da história". Deve-se aprovar tal reforma porque ela vai em direção ao curso da história. As manifestações do presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, taxando os críticos de adeptos da "fracassomia" vão nessa direção.
Idealização
Uma variante frequente (não citada por Hirschman) dos "reacionários" é a "retórica da idealização". Não se deve adotar nenhuma reforma que não seja completa e perfeita. Ou: as reformas de Collor não têm nenhum valor porque ele não era um virtuoso.
Parecida com ela, e ainda brandida pelos "reacionários" é a "tese da ameaça": tal reforma poderá colocar outras reformas a perder. Em geral o truque retórico consiste em levantar todas as implicações negativas possíveis -embora não prováveis- da reforma.
A contrapartida "progressista" é a versão de que não há nenhuma contra-indicação em determinada reforma. Essa postura deixará os "progressistas" "mal equipados para discussões proveitosas com seus oponentes conservadores", ensina Hirschman.
Recomendações
A partir dessas classificações, Hirschman formula série de recomendações aos "progressistas". A primeira é abrir mão da "chantagem do desastre iminente". Cita Gunnar Myrdal, outro especialista em desenvolvimento: "Os progressistas podem e devem defender convincentemente as políticas que propõem afirmando que elas são corretas e justas, e não alegando que são necessárias para afastar algum desastre imaginário".
Outro conselho, é de não se perder tentando prever todas as consequências futuras danosas de determinadas reformas. "Caso contrário, seriam afetados pelo excesso de inquietação e, de modo geral, ficariam paralisados por receios involuntários".
Opiniões peremptórias
Outro capítulo extraordinário do livro de Hirschman é sobre o papel nocivo das opiniões peremptórias e dos partidos políticos ideológicos.
Uma das vantagens dos partidos políticos era oferecer aos ci dadãos um conjunto completo de opiniões prontas e sólidas sobre todos os assuntos da época. Era uma característica poupadora de tempo.
Nos partidos fortemente ideológicos, a superposição de opiniões peremptórias causa "deseconomia de escala" por provocar impasses de difícil solução.
Para uma democracia funcionar bem e perdurar é essencial que as opiniões não sejam plenamente formadas antes do processo de deliberação, diz Hirschman.
A única maneira de superar essa quadra seria os indivíduos passarem a valorizar tanto o fato de ter opinião como o de ter a mente aberta.

Email: lnassif@uol.com.br

Texto Anterior: Colombianos temem mais impostos
Próximo Texto: CEF reduz juros para quem fizer quitação antecipada
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.