São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Bacha e a reeleição

CELSO PINTO

Se a única solução para a reeleição for convocar um plebiscito, a questão vai se arrastar no Congresso até outubro. Neste caso, decisões importantes na área fiscal e monetária poderão ser adiadas, o déficit comercial poderá subir ainda mais e o país pode entrar em 1998 numa posição mais vulnerável.
A análise é de Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES e um dos pais do Plano Real, hoje trabalhando no mercado financeiro. Ele aposta que Fernando Henrique Cardoso conseguirá o direito à reeleição e será reeleito. Teme, contudo, que a questão acabe indo para um plebiscito, o que traria "maior perturbação" na área econômica.
Pelas indicações da balança comercial de dezembro e janeiro, ele supõe que será preciso aplicar um freio na economia, para evitar uma deterioração maior nas contas. Ele acha que a economia está bastante aquecida e o nível de utilização da capacidade produtiva já chegou a um nível bem alto.
Tanto eventuais correções de rumo quanto a votação das reformas, contudo, podem ser afetadas por um adiamento na decisão sobre a reeleição.
Bacha vê inconsistências no plano de estabilização, tanto na área fiscal quanto na área externa. Não tem dúvida, contudo, que o Brasil conseguirá financiar os buracos nas contas externas graças à privatização.
Nas suas contas, a privatização poderá render US$ 40 bilhões nos próximos três anos. Seriam US$ 5 bilhões com a Vale, US$ 4 bilhões com a telefonia celular, US$ 13,3 bilhões com a Eletrobrás, US$ 5,3 bilhões com a Telebrás, US$ 10 bilhões com a privatização de empresas elétricas estaduais, US$ 1,4 bilhão com bancos estaduais e US$ 1 bilhão com concessões várias (portos, rodovias, gás, água e esgotos, etc.).
Os US$ 40 bilhões, mais uma capacidade ainda não inteiramente explorada de endividamento externo do governo, asseguram o financiamento, mesmo que haja alguma turbulência junto a investidores privados.
No entanto, Bacha admite que a trajetória a longo prazo não é sustentável. Chega a concordar que a solução pode vir a passar por uma mudança cambial.
A curto prazo, contudo, a verdadeira saída é um ajuste fiscal mais forte. Sem ele, e com a economia aquecida, uma máxi viraria mais demanda e inflação. O máximo que o governo poderia fazer, hoje, é alguma aceleração no reajuste cambial.
O centro da questão, contudo, é fiscal. "A discussão sobre o câmbio é um convite à leniência", diz ele. "É o tipo da solução fácil, à la Delfim: mexe no câmbio e depois vê como é que fica o resto."
Sem elevar a taxa interna de poupança, muito além dos 16% do PIB atuais, não há como sustentar um investimento maior e absorver uma poupança externa, sob a forma de déficits em conta corrente, sem gerar problemas a longo prazo.
Só que, para elevar a poupança interna, diz Bacha, é preciso reduzir a "despoupança" do setor público. Ou seja, obter resultados fiscais muito mais expressivos do que os do ano passado. Bacha até acha que haverá avanços na área fiscal este ano. Projeta um déficit global (nominal) de 4,8% do PIB, um déficit operacional (exclui inflação e inclui juros) de 3% e um superávit primário (exclui inflação e juros) de 0,9%.
São números otimistas comparados a outros no mercado, mas, mesmo que se realizem, ainda será preciso muito esforço adicional. Para evitar que a dívida líquida interna do governo continue a crescer, calcula Bacha, seria preciso gerar um superávit primário de 1% neste ano, 1,5% no próximo e 2% a partir daí, a cada ano.
Para se ter uma idéia de como isso é difícil, no ano passado, apesar de o governo federal ter tido uma receita recorde de R$ 94,6 bilhões, não ter dado aumento ao funcionalismo e conseguido reduzir em R$ 919 milhões os gastos com pessoal, registrou uma piora no seu resultado primário: o superávit caiu de 0,51% do PIB para 0,38%. Conseguir estabilizar a dívida interna é essencial para garantir que a trajetória de endividamento não será explosiva.
Dá tempo para corrigir as inconsistências internas e externas? Com 6 anos pela frente garantidos pela reeleição dá, responde Bacha.

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