São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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'Baal' inicia inesperado renascimento brechtiano

NELSON DE SÁ
DA REPORTAGEM LOCAL

A afirmação é arriscada, mas o que atrai em "Baal" pouco tem a ver com o que se costuma chamar de "teatro". O que atrai e prende é que o diretor Marcelo Fonseca, no papel de Baal, está próximo do que se pode chamar de distanciamento, na expressão brechtiana.
Nem tanto no primeiro ato -em que a dificuldade de contar a história corrompe duas horas de encenação- mas no segundo. Como Marcelo Drummond, no mesmo teatro Oficina, Fonseca não "representa". A identificação fantasiosa com o personagem, que leva à catarse, na visão aristotélica da tragédia, não acontece.
A identificação com Baal/Marcelo Fonseca existe, mas não escapa para o mundo da alienação, porque ele mesmo, com exceções, não sai do ar. Está em cena, mas parece estar ao seu lado na platéia, a questionar, a jogar na parede.
É verdadeiro, mais do que "bom ator", no ponto de vista de talento técnico, do costumeiro "teatro". Embora também o seja naquele sentido; mais claramente, quando canta. Tem uma bela e aprimorada voz, que poderia ser mais explorada por uma peça que é a caminhada do trovador pelas ruas.
Baal/Marcelo Fonseca é profudamente questionador, ainda que sem a violência satírica daquele Baal/Brecht avassalador, tiranicamente dominador em seus 19 anos, em sua primeira peça.
Talvez aquele fosse mais inteiro, completo, mas este Baal romântico, até melancólico, pode estar apontando um caminho para uma abordagem de Brecht "aqui e agora". Até porque é "Baal, o Mito da Carne", que fez a sua estréia um ano atrás, que inicia um inesperado renascimento brechtiano.
Renascimento ainda mais inesperado por surgir à imagem das antológicas -e desconhecidas da maioria- montagens brechtianas do Oficina de três décadas atrás. No caso, "Baal" chegar a ter referências em canções, encenação, até uma suposta homenagem a José Celso Martinez Corrêa; suposta por indicar seu contrário.
No elenco, Élcio Nogueira se revela mais, afinal. Ekart é a melhor interpretação do ator, aliás o único com projeção bastante para o teatro. Se não enfrenta Baal com o envolvimento e a paixão desejados, está a caminho, e próximo. E compõe uma curiosa contraposição de estilos de interpretação.
Bel Kutner como a "virginal" Johanna e sobretudo Carolina Gonzalez como Sophie cuidam da contraposição feminina, nem tão marcada, apesar da beleza, já que Baal é ele próprio romântico, frágil. Mas estão bem, suaves, quebradiças -excetuado o sexo simulado, sempre um equívoco, pois não se "finge" no palco impunemente, quanto mais sexo.

Peça: Baal, o Mito da Carne
Onde: Teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, tel. 606-2818)
Quando: sex e sáb, às 21h, dom, às 20h
Quanto: R$ 20

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