São Paulo, sexta-feira, 17 de janeiro de 1997
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Da popularidade

JOSÉ SARNEY

A popularidade seduz e é necessária a artistas, intelectuais e, sobretudo, a políticos. Para estes, mais do que ambição, é necessidade. Mas é difícil administrá-la. Há uma linha tênue entre ela e a vaidade. Exige humildade e competência conviver com aquilo que o jornalista Roberto Marinho chamou de "a condenação ao sucesso".
Outra coisa, também difícil, porque exige sacrifício e resignação, é a convivência com a impopularidade. Como é cruel. Ambas podem ser um bem e um mal e têm uma qualidade intrínseca e comum: são fugazes, vêm e voltam.
A mais clássica de todas essas mudanças no comportamento humano está no Evangelho: Cristo entra triunfalmente em Jerusalém no Domingo de Ramos e na sexta-feira o povo manda crucificá-lo.
Muitas vezes os homens públicos são obrigados a buscar a impopularidade pelo dever de tomar decisões. Kennedy ganhou o Prêmio Pulitzer, com um livro sobre política e coragem. A coragem seria a audácia de enfrentar a impopularidade.
Quando um político está mergulhado no oceano da popularidade, tem sempre a tentação de chamá-la para resolver impasses. Exemplo maior foi o Collor quando fez um apelo "às ruas", que deviam vestir-se de verde e amarelo. Elas vestiram-se de preto.
A popularidade pode ser um mal, quando ela transforma os homens, muda-lhes o humor e comportamentos. Devemos sempre exorcizar esses demônios.
O presidente Fernando Henrique, o intelectual e professor de sociologia, sabe que gestos de príncipe não resolvem os conflitos de pressão que se instalam no corpo social. Se essa fosse a solução, todos os problemas estariam resolvidos, porque nada mais fácil do que a violência.
A democracia triunfou porque provou que a única decisão que permanece é aquela que é negociada, que é consensual, fruto do Estado de Direito e seus mecanismos. "Vamos marchar para decidir no corpo-a-corpo no Congresso, mas sobretudo nas ruas, com a força das ruas". "Vamos quebrar o PMDB ao meio".
Não me parecem frases compostas com a personalidade do presidente Fernando Henrique. Esse apelo pertence às sociedades sem instituições.
O Brasil teve presidentes com temperamentos fortes: Floriano, Artur Bernardes, Washington Luís, Jânio Quadros, Collor. Teve presidentes do diálogo e da convivência: Rodrigues Alves, Nilo Peçanha, Venceslau Brás, Getúlio, Juscelino. Eu me coloco entre estes e incluo Fernando Henrique. Ele não tem o perfil da intimidação.
A voz rouca das ruas de que fala é aquela que legitima sua serenidade e tranquilidade.
O outro lado é o do absurdo. É como se o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Pertence, dissesse aos juízes: "Se os meus eminentes colegas não decidirem assim, eu chamo o povo da Rodoviária de Brasília".
Há no Nordeste um provérbio genial: "Com grito não se afina rabeca".

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