São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997
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Sebastião e Paulo

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Sebastião e Paulo são dois santos que têm muito a ver com o direito, nesta segunda quinzena de janeiro. Dia 20, São Sebastião do Rio de Janeiro saúda mais um aniversário de sua fundação, antecipando por cinco dias a festa paulistana do dia 25, em honra da São Paulo de Piratininga. Os santos, assim "urbanizados", relacionam-se com o direito porque, nas duas cidades, sob novos prefeitos, estão símbolos do tratamento dado pela Constituição de 1988, nos artigos 182 e 183, à política nacional do desenvolvimento urbano.
Para a Carta Magna essa política é municipal, o que pareceria óbvio se a história recente não o desmentisse. Há poucos anos, no regime militar, coisas elementaríssimas da vida das cidades eram decididas em Brasília. As duas metrópoles demonstram, ainda, a distância entre a Constituição e a realidade. O mencionado artigo 182 diz que a política urbana consiste em "ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes". Coloquei entre aspas para não deixar dúvida no espírito do leitor, pois, pensadas em termos conjuntos de bairros bem servidos, periferias, favelas e áreas rurais, o Rio e São Paulo acham-se a muitos anos luz do objeto constitucional.
Cabe discutir o significado de "funções sociais da cidade". A interpretação gramatical dessas palavras ajuda a compreender o que elas significam. Correspondem a dizer que o núcleo urbano municipal, com seus órgãos públicos e privados, deve ter, tanto na estrutura quanto no funcionamento, atuação prioritária capaz de criar acesso igual de seus benefícios, para todos, independentemente da potencialidade econômica de cada pessoa.
São, aliás, finalidades bem delineadas no artigo 3º da Constituição, que inclui a promoção do bem geral, sem preconceito ou qualquer forma de discriminação.
Há, nas constituições, artigos e parágrafos que não são para valer assim que elas entram em vigor. Correspondem a intenções benfazejas, verdadeiros programas para o futuro, como as estrelas indicavam, no passado, o rumo dos velhos navegantes. Apesar disso, constituem a necessária inspiração e norte para ocupantes do Executivo e do Legislativo, nos mais de 5.000 municípios brasileiros.
Neste começo de 1997, a agitada vida dos prefeitos das duas capitais é perturbada pela certeza de que as regras constitucionais, que acabo de mencionar, são um programa de ideais a serem atingidos, na prática. São diferentes de outras regras jurídicas que, quando não cumpridas, geram punições para os descumpridores.
A curto prazo, há que lembrar que o artigo 182 traz, ainda, severas restrições ao uso e à disposição da propriedade imobiliária, sujeita a zoneamento, a plano diretor e de expansão urbana. Leis municipais podem impor o adequado aproveitamento de áreas não-edificadas do solo urbano, sob pena de parcelamento ou edificação compulsórios, IPTU progressivo e desapropriação com pagamento em títulos da dívida pública.
A julgar pelas condições atuais das duas maiores metrópoles brasileiras, os santos Sebastião e Paulo vão ter muito o que fazer, para garantir, pelo menos, o direito essencial de seus habitantes de viver num espaço próprio e digno, com suas famílias, livre de promiscuidade com os demais. Mas, por certo, terão, também, o orgulho de ser protetores de uma das cidades mais lindas do mundo e de outra que é o maior centro de riqueza econômica e cultural de seu país.

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