São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997
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Plebiscito e referendo

ODYR PORTO

A um público compreensivelmente distante do nítido significado dessas consultas populares, convém se diga algo, a título de esclarecimento, sobre o plebiscito e o referendo, agora cogitados no debate em torno da restrição constitucional à reeleição de presidente, governadores e prefeitos.
Nossa democracia é representativa, ou seja, o povo transfere a representantes eleitos a atividade de elaboração e eficácia das leis e da decisão sobre atos de governo. Determinados temas, contudo, por sua relevância, ficam à margem dessa delegação, devendo ser objeto de direta deliberação popular. Isso ocorre, ainda, quando o Parlamento está dividido, perplexo, sem condições de uma definição claramente afinada com seus representados. Daí se dizer que nossa democracia é semi-representativa, semidireta ou participativa.
A vigente Constituição se refere ao direto exercício da soberania popular pelo plebiscito e pelo referendo (artigo 14, 1º e 2º). Como a lei supostamente não contém disposições redundantes ou inúteis, há que assentar que a Carta filia-se à corrente dos que distinguem um e outro desses institutos.
Fugindo a tal controvérsia, diríamos, com a maioria, que plebiscito é consulta sobre matéria política ou socialmente mais relevante, e referendo, uma consulta que tende a legitimar ou não norma já aprovada pelo Legislativo, dando-lhe ou fazendo cessar sua eficácia.
No caso da reeleição do presidente, a questão é saber se o preceito constitucional restritivo, que veda a possibilidade de reeleição para período subsequente (artigo 82), deve ou não ser mantido.
Nem haveria necessidade de ser antes aprovada pelo Congresso emenda sobre a qual versaria a consulta. É que a intervenção popular não apenas se destina a aprovar ou rejeitar texto recentemente editado, mas também a fazer cessar, como aqui, a eficácia de uma norma há mais tempo existente, até por razões supervenientes ou mais pensadamente valoradas. O fato de se tratar de consulta a respeito de preceito constitucional de poder constituinte originário é juridicamente despiciendo, porque a decisão será, nesse caso, devolvida à soberania popular, a mesma que legitimou aquela disposição.
A hipótese é, pois, de referendo, dito constitucional porque atinente a questão dessa hierarquia, e ab-rogativo porque visando revogar ou não preceito normativo.
Essa conclusão não afasta possível opção pelo plebiscito, que, no entender de muitos juristas, ainda se prestaria a esse objetivo. O pecado da preferência seria simplesmente venial, de nomenclatura.
A Constituição ressalva que a consulta se realizará "nos termos da lei" (cf. citado artigo 14). Há, assim, necessidade de ato legislativo, inclusive para definir se o referendo (ou plebiscito) será meramente consultivo ou vinculante, quando a manifestação direta da soberania popular, se a resposta decretar a cessação da eficácia jurídica do impedimento, nada mais restará ao legislador.
Poder-se-ia pensar numa futura emenda constitucional em sentido contrário. Na mesma legislatura, entretanto, se o referendo tiver sido vinculante, essa conduta seria politicamente intolerável.
O recurso a simples decreto legislativo não teria cabimento. É que a Constituição prevê essa medida apenas para autorizar o referendo e não para instituir sua disciplina (artigo 49, 15). No mais, o questionamento é político, de conveniência e oportunidade.

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