São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997
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Porta entreaberta

RICARDO YAZBEK

Após insistentes pleitos do setor imobiliário, o governo começa a realmente abrir a porta de entrada de recursos externos no mercado. No dia 31/10/96, o Ministério da Fazenda, por meio da portaria 241, reduziu para zero o IOF nas operações da resolução 2.170 (conhecida como "63 Imobiliária"), a qual permite o ingresso desses capitais no segmento.
A medida é de grave valia. Em maio de 95, ocorreram os primeiros movimentos no sentido de livrar caminho para que tais recursos participassem da indústria imobiliária.
Porém, diante de óbices significativos, poucos investidores ousaram enveredar por essa trilha. E os que o fizeram encontram dificuldades do lado de cá, ou seja, os empréstimos eram caros demais, nada palatáveis para o setor. Resultado: desde então, têm-se notícias de uma única operação realizada, fato que não se coaduna com o manifesto interesse internacional.
Com a eliminação do IOF, há significativa redução de custos, o que proporcionará uma menor taxa de juros. A expectativa é de que passem a ser praticada variação cambial mais juros de 14% a 16%, contra cambial mais 22% a 25% ao ano procedidos até a publicação da portaria.
Todavia, para que o governo abra definitivamente a porta, como faz o anfitrião satisfeito com a visita, é preciso continuar o processo, adotando outra medida também solicitada: permitir, no âmbito da resolução 2.170, a aplicação em NTNs cambiais dos recursos internados e ainda não aplicados nos empreendimentos em desenvolvimento ou em amortização.
Desta forma, estariam efetivamente eliminados os obstáculos que encarecem a participação de capitais externos na produção imobiliária, e conferida, à citada resolução, a esperada viabilidade operacional.
Saliente-se que, simultaneamente à portaria 241, o Banco Central, por meio da circular 2.726 -também do dia 31/10/96-, estabeleceu modalidades de aplicação aos recursos externos que são internados, possibilitando maior remuneração. Neste caso, porém, somente pela resolução 63. Isso denota que a não-inclusão da 2.170 foi puro esquecimento, um lapso que deve e pode ser rapidamente resolvido.
Superados tais entraves, os capitais estrangeiros passam a ser remunerados a valores mais compatíveis, e, consequentemente, são reduzidos os juros para os tomadores finais, quais sejam, as empresas do mercado imobiliário, carentes de financiamentos à produção.
Cumpre novamente ressaltar que não há justificativas plausíveis para inibir o amplo ingresso desses recursos no setor de imóveis. São investimentos de longo prazo que até criam raízes, fomentam as atividades e geram empregos.
Os valores internados são liberados paulatinamente, conforme o cronograma das obras. Daí também não fazer o menor sentido desestimular essa participação, imobilizando capitais no BC com rendimentos inferiores às taxas praticadas fora do país, o que serve apenas para encarecê-los.
Para o setor imobiliário, é fundamental que a porta não continue apenas entreaberta. Aliás, é preciso, isso sim, escancará-la, até mesmo para fazer acontecer a indispensável retomada do mercado. Retomada esta que o próprio governo entende como necessária. E tenta incentivá-la anunciando, via Caixa Econômica Federal, algumas medidas.
Estas, entretanto, são claramente insuficientes. Vide os programas de carta de crédito, que não conseguiram satisfazer a demanda localizada na baixa renda e também na classe média. Segundo informações, mais de 113 mil cidadãos de média renda se candidataram à gincana da casa própria. Com sorte, pouco mais de 10% serão contemplados...
A mesma insuficiência se identifica na linha de financiamento à produção oriunda do FGTS. Os R$ 384 milhões liberados permitirão a oferta de apenas 20 mil moradias populares em todo o país. Idem no que se refere aos R$ 400 milhões anunciados para a securitização de recebíveis, cujas operações (juros de 18% ao ano mais TR) são caríssimas e de difícil acesso pelas empresas do mercado.
Ainda que longe de ideal, é inegável que o governo revela empenho em fomentar, de alguma forma, a indústria imobiliária. E dispõe de mecanismos para isso, inclusive já sugeridos, como, a exemplo do que fez na poupança rural, reduzir o compulsório das cadernetas de poupança e disponibilizar, para contratações, mais de R$ 2 bilhões de novos recursos à produção habitacional.
Ressalte-se que este montante será gradualmente liberado, de acordo com o andamento das obras. Portanto, em prazos de 18 a 24 meses, não impactando a base monetária.
Sobre essa proposta, inclusive, o ministro do Planejamento, Antonio Kandir -que responde diretamente sobre a política habitacional-, declarou ser favorável não apenas à redução do compulsório como à sua total eliminação.
Em entrevista à revista "Indústria Imobiliária", mensalmente publicada pelo Secovi-SP, o ministro afirmou que, embora a flexibilização do compulsório não possa ser encarada como um fato desassociado da política monetária, o problema deve ser equacionado assim que for possível. "No contexto do mercado financeiro de hoje, com a presença de bancos múltiplos, a existência de um compulsório específico sobre caderneta de poupança perdeu a razão de ser", disse.
De todas as formas, ideais ou não, as medidas estão acontecendo. E isso incentiva o setor a enxergar 1997 com maior otimismo, diante dos instrumentos que possibilitam a continuidade das atividades. Nossas expectativas, dos recursos externos até a efetiva volta do financiamento à produção imobiliária, são cada vez mais positivas.
Provavelmente 97 marcará a retomada do setor, o que promove reflexos imediatos no desenvolvimento econômico e social, notadamente na geração de empregos. Resta torcer para que não haja mudança de rumos, e que, das intenções anunciadas, surjam as ações esperadas.

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