São Paulo, sábado, 18 de janeiro de 1997
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Coragem cívica

MARCELO BARBIERI
"NAVEGAR É PRECISO. VIVER NÃO É PRECISO."

Essa frase do poeta foi usada pelo dr. Ulysses, na sua anticandidatura, tendo ao seu lado o agora centenário Barbosa Lima Sobrinho. Inspirado nela e no exemplo desses dois ilustres peemedebistas foi que a histórica convenção nacional do último domingo decidiu, em um ato de coragem cívica, característica da nossa legenda, dizer não à proposta de reeleição para o atual presidente da República.
O quórum da convenção foi de 80% (574) dos convencionais, e mais de 60% dos votos secretos (343) foram contra a reeleição. A posição oficial do PMDB, deliberada democraticamente, é de "não" à reeleição.
Deliberou, ainda, que a participação dos membros do partido na votação nos plenários da Câmara e Senado deverá se dar somente após o início da legislatura ordinária, ou seja, 15 de fevereiro.
A posição do PMDB reflete, portanto, o sentimento da base, pois os convencionais são dos 27 Estados da Federação.
E por que decidiu o PMDB pelo "não" à reeleição?
Porque está claro para a maioria dos membros do partido que essa proposta embute um ranço autoritário, e a maior demonstração disso foi a própria reação do presidente ao resultado democrático da convenção, que lhe foi adverso.
Chamou alguns membros do partido, entre eles o senador José Sarney, presidente do Poder Legislativo e ex-presidente da República, para lhes passar uma descompostura por terem permitido a manifestação democrática das bases partidárias. Agrediu, com isso, o partido.
Ele não imagina ser contrariado, pois se considera imprescindível para implantar o neoliberalismo com sua face perversa de desnacionalização e quebra das empresas nacionais, desemprego, miséria e fome dos brasileiros, juros absurdos, sucateamento do patrimônio público, privatização e desnacionalização da maior empresa mineradora do mundo, a Vale do Rio Doce.
A continuidade desse processo o PMDB não apóia, como não aceita também as ameaças, feitas por intermédio da imprensa pelo próprio presidente, de que vai acabar com o partido, rachando-o e retirando dele seus governadores e parlamentares.
Se ele diz isso hoje, quando ainda precisa dos votos do partido para aprovar a reeleição que tanto lhe interessa, o que fará depois que aprová-la?
Não, o PMDB, pela sua história de luta contra o autoritarismo, não pode se curvar diante de ameaças, e, na nossa opinião, a honra e dignidade do partido não valem uma participação pífia no atual governo. Temos um projeto de poder que se contrapõe ao neoliberalismo entreguista e desagregador da nação.
A reeleição já nada mais é do que o casuísmo que nos lembra a instituição do senador biônico e, ainda mais, prevendo a não-necessidade de desincompatibilização, para que o presidente use e abuse da máquina na campanha, como já vem fazendo, realizando atos partidários nos palácios oficiais da Presidência.
A reeleição, que, em tese, nos parecia uma boa proposta, torna-se uma decisão casuística para manter o atual presidente no poder a qualquer custo.
Portanto, o PMDB diz não.

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