São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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A HISTÓRIA DO AMOR DE ROMEU E JULIETA

ARIANO SUASSUNA
DE MORRER JUNTO DA AMADA.

Selou depressa o Cavalo,
e, como um raio, partiu,
em galope cego e doido,
como ninguém nunca viu.
E, a caminho de Verona,
num momento se sumiu!

Quando, lá no Cemitério,
pelo Portão já entrara,
encontrou Páris que ia
levar Rosas que comprara
para perfumar o corpo

Páris gritou a Romeu:

Páris:
Que vens tu fazer aqui?
Não sabes que Capuleto
tem grande ódio por ti?
Retira-te, se não queres
também ficar morto aí!

Romeu:
A resposta que te dou
é tirar a minha Espada
e descarregar, em ti,
tal golpe de cutilada,
que te decepe a cabeça,
na primeira navalhada!

Lutam. Romeu mata Páris.

Quaderna:
Matou, guardou a Espada,
e correu para onde estava
o belo corpo daquela
a quem mais que tudo amava,
e que, naquele momento,
como morta ali se achava.

Romeu (bebendo o veneno):
Este Veneno é quem salva,
Nada me resta no mundo,
pois Julieta morreu!
No outro vivo, no Reino
a que ela se acolheu!

Meu Amor, vou encontrar-te:
eu não me deixo abater!
Já faz efeito o Veneno,
eu já começo a morrer!
Já estão cegos meus olhos!
Mas, vendo-te, volto a ver!

Morre.

Quaderna:
Nesse instante, Julieta
e, então, muito espantada,
Romeu ali avistou.
Estava, porém, já morto,
e ela se desesperou.

Julieta:
Romeu! Ah, que dor terrível!
Romeu! Estou como louca!
Com todo este sacrifício
nossa sorte ser tão pouca?
Não é possível! Romeu,
dá um beijo em minha boca!

Acorda, Romeu, acorda!
Faz-me, um que seja, um carinho!
Vamos nós dois, descuidados,
seguir o nosso caminho,
e, longe daqui, bem longe,
fazer, pra nós, outro ninho!

Quaderna:
Ficou assim, muito tempo,
chamando por seu Esposo.
Afinal, viu que ele fora
para o lugar do repouso,
lá, onde um outro sentido
têm Amor, e sonho, e gozo.

Tirou, então, de Romeu,
o seu Punhal afiado.
Enterrou no coração
aquele ferro aguçado,
e caiu, morta, por cima

Aí, algumas pessoas
que foram ao Cemitério
ficaram muito espantadas
com todo aquele mistério:
morto o casal, morto Páris,
na entrada do Presbitério.

Depois, soube-se de tudo,
porque o Padre contou.
Capuleto, muito triste,
um Túmulo preparou,
e os Amantes, abraçados,
dentro dele sepultou.

Somente depois da morte
foi que puderam se unir,
tendo, os dois jovens corpos,
já deixado de existir,
e nada mais, neste mundo,
lhes sendo dado fruir!

Os músicos tocam o "Romance de Minervina. Antero Savedra pronuncia a Segunda-Cadência-de-Moralidade. Encerrada esta, Quaderna retoma a palavra:

Quaderna:
Quem ouviu este Romance
e sabe o que se escreveu,
sabe a Condessa Montéquio
em que condições morreu.
Também conhece a fraqueza
que seu filho cometeu.

Romeu, que era valente
-diz a sua biografia-,
soube, dita por seu Pai,
a dor que este sofria.
Romeu jurou de vingá-lo,
no mesmo ou no outro dia.
Mas logo deixa a promessa
no fundo de uma gaveta.
Bastou ver, num belo seio,
um cacho de violetas.
Mesmo inimiga do Pai,
amou logo a Julieta.

Nas condições em que estava,
não tinha nenhum rodeio:
era vingar-se de tudo,
fingindo como um passeio.
Não tinha que perguntar
se o rosto era belo ou feio.

Mas ele não fez assim:
quando entrou naquela Sala,
viu Julieta dançando,
fez tudo pra conquistá-la.
Inda ela sendo uma Deusa,
ele deveria odiá-la!

Romeu foi falso a seu Pai,
vem daí o seu castigo.
Faltou-lhe tenacidade:
não percebeu o perigo

Foi este o maior motivo
Romeu traiu a família,
faltou-lhe com a lealdade.
Onde existe um ódio antigo
não pode haver amizade.

Os Amantes de Verona
tiveram fim desgraçado,
embora tenham morrido
um com a outra abraçado.
Julieta apunhalou-se,
Romeu foi-se, envenenado.

-De modo que o espetáculo acaba com a última estrofe do folheto sertanejo que lhe deu origem:-

Antero Savedra e Quaderna:
Quem odeia a traição
tem que dizer como eu:
como o rapaz não vingou-se
eu escrevi, mas não gosto,

Recife, 21 de fevereiro de 1996. Dia do centenário de nascimento de Dona Rita Villar Suassuna.

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