São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Rock silencia texto original na nova versão para o cinema
MARILENE FELINTO
O título do filme, em inglês, é "William Shakespeare's Romeo & Juliet", ou seja, "Romeu e Julieta de William Shakespeare". Título assim tão óbvio deve ter por objetivo lembrar o espectador de que ele está assistindo ou assistiu, na tela, ao mais popular dos textos de Shakespeare, embora não pareça. Luhrman fez um "Romeu e Julieta" para adolescentes dos anos 90 -a história se passa numa Los Angeles ou Miami, onde as duas famílias em guerra são representadas por gangues de rua no pior estilo de bangue-bangue chicano-americano. O Romeu de Luhrman (o apelativo Leonardo DiCaprio) anda com uma pistola embaixo da camisa, dirige um carro esporte conversível e toma drogas. Seu melhor amigo, o negro Mercúcio, se veste de drag queen e usa cabelo rastafari. A mãe de Julieta (Diane Venora) é uma vulgar dona-de-casa que vive à base de calmantes. A ama, gorducha com sotaque mexicano. O conflito aberto entre as famílias de Romeu e Julieta é devidamente apartado pelas sirenes dos carros da polícia americana -chefiados por um politicamente correto policial negro. Toda a rivalidade que explode nas brigas hollywoodianas entre as duas gangues -com direito a muito tiro e incêndio em posto de gasolina- é depois noticiado pela televisão, pela voz também politicamente correta de uma locutora negra (que faz as vezes do coro, como bem observou o crítico da Folha Nelson de Sá). Quanto ao texto em si, Luhrman cortou pedaços inteiros -como se não fizessem falta, e como se, para a estreita capacidade de compreensão dos adolescentes dos anos 90, fosse mais do que suficiente. Mas eis que o diretor resolveu "inovar": pôs na boca dos jovens DiCaprio e Claire Danes (que vive Julieta), a linguagem do século 16, tal como o gênio de Shakespeare a concebeu, com sua música verbal, com a magnificência da fala de seus personagens. O resultado é desastroso, lamentável comédia de erros, não por causa do trabalho dos atores -bem razoável até-, mas porque mal se escutam as falas, embaladas pelo ritmo frenético da trilha sonora de rock-punk. Difícil saber o que Baz Luhrman pretendia com esse tratamento de novela mexicana (para lá de kitsch) à obra de Shakespeare. Se era atrair público, teve sucesso -as salas lotam de adolescentes interessados em DiCaprio. Texto Anterior: Julieta e a tragédia do amor confiante Próximo Texto: Êxito da peça decorre do desejo universal de um amor perfeito Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |