São Paulo, domingo, 19 de janeiro de 1997
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Rock silencia texto original na nova versão para o cinema

MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A mais nova versão cinematográfica do "Romeu e Julieta" de Shakespeare é do diretor australiano Baz Luhrman ("Vem Dançar Comigo", 1992).
O título do filme, em inglês, é "William Shakespeare's Romeo & Juliet", ou seja, "Romeu e Julieta de William Shakespeare". Título assim tão óbvio deve ter por objetivo lembrar o espectador de que ele está assistindo ou assistiu, na tela, ao mais popular dos textos de Shakespeare, embora não pareça.
Luhrman fez um "Romeu e Julieta" para adolescentes dos anos 90 -a história se passa numa Los Angeles ou Miami, onde as duas famílias em guerra são representadas por gangues de rua no pior estilo de bangue-bangue chicano-americano.
O Romeu de Luhrman (o apelativo Leonardo DiCaprio) anda com uma pistola embaixo da camisa, dirige um carro esporte conversível e toma drogas. Seu melhor amigo, o negro Mercúcio, se veste de drag queen e usa cabelo rastafari. A mãe de Julieta (Diane Venora) é uma vulgar dona-de-casa que vive à base de calmantes. A ama, gorducha com sotaque mexicano.
O conflito aberto entre as famílias de Romeu e Julieta é devidamente apartado pelas sirenes dos carros da polícia americana -chefiados por um politicamente correto policial negro.
Toda a rivalidade que explode nas brigas hollywoodianas entre as duas gangues -com direito a muito tiro e incêndio em posto de gasolina- é depois noticiado pela televisão, pela voz também politicamente correta de uma locutora negra (que faz as vezes do coro, como bem observou o crítico da Folha Nelson de Sá).
Quanto ao texto em si, Luhrman cortou pedaços inteiros -como se não fizessem falta, e como se, para a estreita capacidade de compreensão dos adolescentes dos anos 90, fosse mais do que suficiente.
Mas eis que o diretor resolveu "inovar": pôs na boca dos jovens DiCaprio e Claire Danes (que vive Julieta), a linguagem do século 16, tal como o gênio de Shakespeare a concebeu, com sua música verbal, com a magnificência da fala de seus personagens.
O resultado é desastroso, lamentável comédia de erros, não por causa do trabalho dos atores -bem razoável até-, mas porque mal se escutam as falas, embaladas pelo ritmo frenético da trilha sonora de rock-punk.
Difícil saber o que Baz Luhrman pretendia com esse tratamento de novela mexicana (para lá de kitsch) à obra de Shakespeare. Se era atrair público, teve sucesso -as salas lotam de adolescentes interessados em DiCaprio.

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