São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 1997
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A avaliação do provão

CELSO RIBEIRO BASTOS

Está o nosso ensino universitário em crise? Literalmente falando, não existe crise no ensino superior. É que o vocábulo "crise" significa manifestação violenta e repentina de ruptura de equilíbrio. Falta na situação por que passa o nosso ensino universitário o elemento tensão ou conflito.
São três os agentes que compõem o sistema: os donos das faculdades, que lucram tranquilamente sem reclamar nada; o corpo docente, quase sempre mal remunerado, mas que também nada tem a postular porque, em geral, tem essa verba como um acréscimo nos seus rendimentos de assessorias e consultorias; e os alunos, que só reclamam se a causa for aumento de mensalidade. Não conheço greve em demanda de melhor ensino. Isso demonstra que nosso ensino superior está em perfeita harmonia consigo mesmo.
A crise, na verdade, vem de fora do sistema. Todos aqueles que se interessam pelo destino do país não podem deixar de se preocupar com o nosso sistema em todos os níveis e áreas. O provão teve inequivocamente o mérito de desestabilizar essa modorra.
Devemos, de logo, dizer que não vemos inconstitucionalidade nem direito adquirido lesado. A faculdade dos poderes públicos de alterar currículo e definir novas tarefas é matéria inteiramente dentro da competência legislativa federal.
Devemos também, de pronto, registrar que consideramos a iniciativa portadora de grandes méritos. Nem faculdades nem alunos têm direito de reclamar. Afinal de contas, é ínsito à condição de estudante o ser permanentemente avaliado. Se há receio de submeter-se a uma prova que não é senão repetitiva daquela sobre o que ele já foi avaliado nos anos transatos e tido por aprovado, o resultado do provão não poderá ser senão o de confirmar esses conhecimentos.
De outra parte, o provão não se destina a avaliar o aluno, mas sim a escola, e isso nos parece extremamente auspicioso. Não consta ter havido algo parecido no passado. É evidente que os métodos tradicionais de fiscalização do MEC falharam por completo. E nos parece muito razoável medir a qualidade da escola pela eficiência do seu produto: o aluno. Quaisquer outras coisas, como boas instalações, boas bibliotecas, laboratórios, de nada adiantam senão integradas num sistema funcional de ensino.
Apesar do fato de nos parecer positiva a imposição desse exame extravagante, não há como deixar de reconhecer que ele se presta a certas distorções que poderão levar a injustiças.
Em primeiro lugar, os alunos entram na faculdade com conhecimento e amadurecimento intelectual extremamente diferenciados. Normalmente, os melhores terão acesso às faculdades oficiais, quando mais não fossem por serem gratuitas. E os piores vão sofrendo um descenso gradativo até cair nos níveis escandalosamente rebaixados de certas escolas.
É mais que natural, pois, mesmo abstraindo-se que as faculdades do primeiro caso possam ser melhores, que estas terminarão por lançar no mercado profissionais mais bem preparados. A diferente qualificação por ocasião do ingresso distorce evidentemente a avaliação do estabelecimento de ensino.
Em segundo lugar, esse tipo de avaliação poderá levar a uma radicalização desse processo. A partir do momento em que se saberá quais são as boas e as más academias passarão os alunos a procurá-las, segundo a auto-avaliação que fazem do seu preparo.
Em terceiro lugar, não se podem excluir injustiças resultantes de possíveis sabotagens feitas pelos alunos, extravasando alguma vindita de alguma mágoa recalcada que lhe possa ter deixado tal professor ou mesmo a instituição.
Isso tudo, no entanto, só a experiência poderá confirmar. Por ora, basta constatar que o procedimento é constitucional, e seu mérito, inequívoco na medida em que as vantagens já certas suplantam as desvantagens ainda incertas.

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