São Paulo, quinta-feira, 23 de janeiro de 1997
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Violoncelo de Maisky "canta" Schubert

LUIS S. KRAUSZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

A notável semelhança de timbre existente entre o som do violoncelo e a voz de tenor é talvez o que empresta a esse instrumento seu poder emocional único.
Desde Pablo Casals, o primeiro a explorar plenamente o potencial sonoro dessas cordas de voz masculina e que influenciou profundamente todos os seus sucessores, alguns músicos realmente souberam fazer cantar seus violoncelos.
Entre esses, Mischa Maisky conquistou, nos pouco mais de 20 anos de carreira desde sua fuga para o Ocidente, um lugar de destaque justamente pela grande expressividade emocional que é capaz de emprestar às suas leituras.
Ele pode ser considerado um expressionista, que carrega no sentimento e na sensualidade ao mesmo tempo em que possui um extraordinário domínio técnico, bem na linha da escola russa, em que foi formado.
Seus prestos são prestíssimos, seus pianos, pianíssimos, ao mesmo tempo em que ele derrama copiosamente suas emoções, o que é perfeito para um romântico como Schubert. E ele possui uma clareza sonora talvez hoje inigualável.
No disco "Songs without Words", que acaba de chegar da Alemanha, Maisky, acompanhado ao piano pela sóbria Daria Hovora, selecionou alguns lieder (canções) de Schubert, compostos para voz de tenor ou soprano com acompanhamento de piano, e substituiu por seu instrumento a parte vocal.
A idéia não é nova. Flautistas como Bennett e Beumadier já haviam feito o mesmo com alguns lieder de Schubert.
Se nessas peças Schubert escolheu poemas do romantismo alemão, de Goethe, Heine, Rellstab e Wilhelm Müller, e traduziu em linguagem musical suas intensas atmosferas sentimentais, impregnadas de tragédia ou alegria, o que esses instrumentistas fazem, ao eliminar a letra, é tornar universal a linguagem dos poemas.
A exacerbação sentimental que caracteriza a leitura de Maisky é bem-vinda: o tom desolado e o andamento lento de suas interpretações torna as trágicas palavras dos poemas que inspiraram as canções quase dispensáveis.
O título "Songs without Words", emprestado de Mendelssohn, faz jus ao conteúdo. Talvez nessas canções breves Schubert tenha encontrado a forma ideal para seu temperamento inconstante e sujeito a mudanças de humor.
O mesmo disco traz também a sonata "Arpeggione", de Schubert, originalmente composta para um hoje inexistente híbrido entre cello e violão, e uma das peças de bravura do repertório.
Hovora, nessa sonata, mostra-se uma acompanhante contida, fornecendo uma espécie de base para a verve de seu parceiro. O resultado é uma interpretação tipicamente eloqüente. A qualidade sonora do CD é impressionante.

Disco: Schubert Songs without Words
Com: Mischa Maisky (violoncelo) e Daria Hovora (piano)
Lançamento: Deutsche Grammophon
Quanto: R$ 30, em média

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