São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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Os segredos da bomba

JANIO DE FREITAS

O acesso dos mineradores estrangeiros a todos os estudos e às planilhas de custos da Vale do Rio Doce, por iniciativa do BNDES, já produziu o seu primeiro efeito-bomba: a Vale, que conduzia negociações para reajuste de 8,75% no preço do minério de ferro a ser exportado neste ano, foi informada ontem de que os mineradores australianos deram-lhe um tombo, precipitando no mercado internacional o reajuste de apenas 1,1%.
O percentual que a Vale terá de acompanhar, para não perder seus mercados importadores na Europa e na Ásia, não cobre nem a desvalorização do dólar, ficando em uns 20% do mínimo necessário.
A dimensão da perda da Vale pode ser percebida sem dificuldade diante da sua exportação de ferro em 96, no total de US$ 1,6 bilhão. Quase tudo isso de minério bruto, sobre o qual incidiria o reajuste em negociação (há também, em escala muito menor, a exportação de ferro em pelotas). Nas negociações de preço já em andamento com os importadores alemães, o percentual proposto pela Vale servia, na verdade, para facilitar o acordo de reajuste entre 6 e 7%. A perda da Vale estará, ao final do ano, pelos US$ 100 milhões, na melhor hipótese.
O reajuste insignificante foi precipitado pelos australianos em transações com os importadores japoneses, com os quais a Vale planejara contratar as exportações deste ano tendo já o novo preço fixado nos negócios com os europeus. Está agora forçada a inverter o rumo: o preço a ser seguido com os importadores asiáticos terá de ser adotado com os importadores europeus, ou outros fornecedores, entre os quais os mesmos australianos, o farão. Só os japoneses compram 20% das exportações de ferro da Vale.
O primeiro passo para a vulnerabilidade comercial da Vale foi a entrega de sua avaliação pelo BNDES, para privatizá-la, às maiores corretoras estrangeiras de negócios internacionais. Empresas que se relacionam com os concorrentes mundiais da Vale, com seus importadores, fornecedores e, a esta altura, potenciais compradores na privatização pretendida por Fernando Henrique Cardoso.
Nem mesmo as pesquisas mais sigilosas da Vale -e estratégicas para a política internacional do Brasil- ficaram resguardadas das corretoras. As pessoas com tendências fortes às crenças fáceis, do tipo Cabra Sem Cabeça e Papel Noel, provavelmente acreditarão que nada vazou daquelas corretoras para concorrentes da Vale na guerra do comércio mundial.
Como complemento à iniciativa das revelações totais, o BNDES instalou uma sala, com o nome de Dataroom, onde estão todas as informações sobre a Vale, passadas, presentes e futuras, à disposição de quem se apresente como comprador em potencial de alguma lasca da empresa na privatização.
Antes de lamentar a saga da Vale ou a desdita do país mesmo, não se pode esquecer de lamentar o destino triste do direito criminal brasileiro, capaz de sanar tanta coisa, e tão pouco chamado a fazê-lo.

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