São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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Balança comercial, consumo e reeleição

MAILSON DA NÓBREGA

Dois sinais de alerta acabam de ser emitidos na economia. O anúncio do elevado déficit da balança comercial em dezembro e as primeiras indicações do comportamento da demanda. Ambos superaram as expectativas.
São fatores inter-relacionados. O maior consumo doméstico aumenta as importações e reduz os excedentes exportáveis.
Há duas outras explicações para o déficit. A incapacidade de certas empresas de se ajustarem ao ambiente de competição formado pela abertura da economia. E uma valorização cambial maior do que os ganhos de produtividade.
O resultado é uma perda de competitividade. Parte das exportações perde dinamismo e produtos importados ganham mercado dos nacionais, ajudados pelas condições mais favoráveis de prazo e juros dos financiamentos em seus países de origem.
A diminuição da competitividade pode acontecer até nas empresas que já ostentam padrões de excelência comparável aos de seus competidores nos mercados mundiais. Sua desvantagem está nos custos sistêmicos próprios da economia brasileira, tributação, transporte e telecomunicações, burocracia e juros altos.
Seja como for, déficits crescentes na balança comercial são insustentáveis. A eles se somam déficits históricos na conta de serviços, neste momento ampliados, também via consumo, pela expansão dos gastos com turismo no exterior.
Em algum ponto no tempo, se a percepção for de risco excessivo, reduzir-se-á drasticamente o financiamento do déficit, provocando uma forçosa ruptura do regime cambial.
Experiências recentes mostram que a consequência da ruptura é uma combinação perversa de inflação, estagnação e aumento da penúria social.
Três vias podem ser utilizadas para prevenir essa situação: desvalorização real da taxa de câmbio, redução dos referidos custos sistêmicos ou contenção do consumo.
A desvalorização é o caminho mais fácil e de resultados mais imediatos. É elevada a sensibilidade das nossas exportações e importações a uma depreciação real da moeda.
Não se pode esquecer, todavia, que o país se encontra em transição de um modelo autárquico para outro baseado numa economia aberta. Há sinais inequívocos de que estamos conseguindo as transformações a isso necessárias.
A desvalorização seria abandonar a estratégia a meio caminho ou, como disse o ministro da Fazenda, um "atestado de incompetência", principalmente dispondo o país de US$ 60 bilhões de reservas e sem ameaça visível ao fluxo de recursos externos.
A redução dos custos sistêmicos depende de ações a cargo do Congresso e do governo: reformas constitucionais, desregulamentação, privatização, concessão de serviços públicos à iniciativa particular e uma Justiça mais eficaz.
Muitas dessas ações levam tempo, o que nem sempre justifica a lentidão que se tem observado. Mesmo que o governo conseguisse apressá-las (e isso é possível em muitas áreas), os efeitos sobre a competitividade não seriam instantâneos.
Restaria a redução da demanda de consumo. Muitos esperavam, eu incluído, que isso acontecesse "naturalmente", via arrefecimento dos fatores de expansão: obras públicas durante as eleições municipais, forte expansão do crédito ao consumidor e ganhos de salário real, especialmente no setor informal.
O ajuste "natural" está ocorrendo, mas tudo indica que abaixo das expectativas. É o que se pode inferir das primeiras indicações das vendas neste início de ano em São Paulo. Em tese, vai ser preciso reduzir o consumo.
É certo que o governo não precisa de pressa semelhante à de princípios de 1996, nem de todo aquele arsenal de instrumentos, muito menos da elevação brutal dos juros. Pode ser suficiente, desta vez, reduzir os prazos do crédito ao consumidor.
Dá para aguardar a confirmação das tendências de consumo e algum sinal de reação das exportações aos estímulos da desoneração do ICMS e das linhas de financiamento do BNDES.
Tem também a reeleição. Em nenhum país o governo adota certas medidas em momentos políticos como o atual.
Não dá, entretanto, para esperar muito. Como há uma defasagem entre a ação e seu efeito na economia, a demora pode tornar inócua a contenção do consumo, exigindo o remédio mais amargo: a desvalorização.
Conclusão lateral óbvia: não desatar logo o nó da reeleição pode ser fatal.

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