São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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O sistema elétrico de São Paulo e seus números

JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO

O sistema elétrico de São Paulo atingiu níveis de qualidade comparáveis aos de países industrializados. E sua capacidade de produção é maior do que a da maioria dos países latino-americanos.
Os números a seguir são aproximados, mas oferecem uma boa idéia dos valores em jogo. A sociedade e os políticos deveriam refletir sobre eles.
O sistema elétrico paulista é composto pelas estatais Cesp, Eletropaulo e CPFL. As empresas privadas do setor são inexpressivas.
O parque gerador da Cesp (que é todo hidrelétrico) tem uma potência instalada da ordem de 9.500 mW, que opera ao longo do ano com um fator de capacidade um pouco superior a 0,5.
Com isso, geram-se cerca de 52 mil gWh por ano (praticamente o dobro de toda a eletricidade vendida num país do tamanho do Chile). É importante acrescentar que a empresa investe pesadamente em programas de regularização de bacias fluviais, construção e manutenção de hidrovias e proteção à flora e fauna, entre outros.
Em média, as hidrelétricas da Cesp têm idade elevada, de sorte que seu valor líquido patrimonial (valor bruto menos depreciações) é baixo.
Graças a isso, compõe-se um reduzido "mix" de custos de geração, o que garante um elevadíssimo potencial lucrativo. A empresa distribui diretamente 15% da energia que produz, vendendo o restante à Eletropaulo, CPFL e distribuidoras privadas.
Os fornecimentos da Eletropaulo giram em volta de 53 mil gWh/ano e os da CPFL aproximam-se de 15 mil gWh/ano. A Eletropaulo é preponderantemente uma distribuidora, com capacidade de geração pequena, em termos brasileiros; ou seja, apenas cerca de 1.400 mW instalados. E a CPFL é uma das melhores distribuidoras do Brasil, embora sua capacidade de geração não chegue a 100 mW instalados.
Atualmente, a tarifa média de fornecimento é de, aproximadamente, US$ 60/mWh (devendo subir, por força dos "lobbies" privatistas). A tarifa de suprimento é da ordem de US$ 30/mWh.
Com esses números é fácil calcular, em termos aproximados, que o faturamento das três empresas, em conjunto, poderá chegar à casa dos US$ 4,6 bilhões por ano; e que a margem bruta de lucro do sistema como um todo (da geração até a ponta final da distribuição) seria da ordem de US$ 3 bilhões por ano, desde que sua administração ficasse livre das influências de certos políticos, empreiteiros e "promotores de negócios".
Para conseguir isso, não é necessário privatizar as empresas. Basta torná-las transparentes, sob a supervisão, por exemplo, do que poderia ser um "conselho de fiscalização", com acesso a todos os procedimentos administrativos, inclusive gestão de pessoal e, principalmente, concorrências para fornecimento de equipamentos e execução de obras.
Nesse conselho -com poder de veto sobre decisões das diretorias executivas-, teriam assento representantes de entidades tradicionais da sociedade civil, tais como o Instituto de Engenharia, a OAB etc., além das comissões de consumidores, Procon, ABI e outros.
Diante do exposto, políticos e administradores públicos deveriam ser chamados a responder, honestamente, a perguntas como:
1) Se o sistema elétrico de São Paulo (em particular a Cesp) passar ao controle de grupos estrangeiros, as remessas de lucros não contribuirão para desequilibrar ainda mais as contas externas do Brasil?
2) Os controladores privados aceitarão reduzir seus lucros para investir em programas de preservação ambiental nas bacias hidrográficas?
3) Não seria mais lógico e mais justo que os problemas da Cesp -que decorrem apenas do refinanciamento de sua dívida e envolvem somas bem inferiores àquelas que vêm sendo dissipadas com bancos e empresas mal administrados- fossem equacionados por meio de um programa especial, semelhante ao Proer?
4) Enfim, qual seria a vantagem, para a sociedade, de transferir para grupos privados (eventualmente estrangeiros) o controle de um monopólio natural poderosíssimo como o da energia elétrica?
Enquanto os governantes brasileiros, sem nenhum critério lógico, esforçam-se para privatizar o setor elétrico, o governo francês dá todo o apoio à estatal Électricité de France, para ampliar suas atividades (e sua influência) na Espanha e Portugal, em diversos países da América Latina e até na China.
O mesmo faz o pequeno Chile, que resistiu às pressões para privatizar suas minas de cobre, mas desenvolve um agressivo programa de tomada de controle sobre o setor elétrico estatal de Argentina, Peru e Brasil.

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