São Paulo, sexta-feira, 24 de janeiro de 1997
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O povo ou a capoeira

JOSÉ SARNEY

Brasília teve o encanto da fronteira administrativa do Brasil, terra de pioneiros, carregados da ambição e do fascínio dos faiscadores e bandeirantes.
Julgavam todos, conduzidos pela propaganda oficial, que estavam escrevendo uma nova página da descoberta do território nacional.
Hoje, passados estes anos, vemos a capital distanciar-se daqueles sonhos, para cair na triste realidade de uma cidade com todos os problemas das grandes metrópoles, desde a violência, a marginalidade, o desemprego, até o estreitamento de horizontes no campo da realização humana.
Mas há um dado que está alarmando. É que, sendo a capital federal centro das decisões nacionais, de onde emanam as políticas públicas e, portanto, responsável pelo governo do país, começa a sofrer um processo de encolhimento, de volta às origens, a um tempo anterior à visão de dom Bosco, para descer ao nível paroquial, onde os problemas locais se entranham nas futricas pessoais, surgindo desse emaranhado a água barrenta que amesquinha o processo político e administrativo.
Há um clima em Brasília, que nestes instantes de turbulência se torna mais visível, quando todos falam de todos e as moedas mais correntes são a da intriga e da intimidação.
O governo torna-se menor, os homens públicos tornam-se compadres e a negociação política é apenas um "papo furado" de comadres. O que fazer? É um dilema para quem viveu tempos em que a atividade política era uma tarefa mais respeitável.
Veja-se o episódio da reeleição. Eu não sou contra discutir-se a reeleição. Não há declaração minha nesse sentido. Sempre considerei que o mandato de quatro anos é pequeno para um programa de governo, e seria incoerência minha, eu que tinha seis anos de mandato e aceitei governar cinco, não aceitar agora considerar essa hipótese.
Mas tenho profundas divergências quanto ao processo, o encaminhamento, a fórmula simplista como está sendo conduzido.
O presidente vinha comandando o problema bem, mas o processo fugiu do seu controle, envolvendo sua autoridade, o que deu margem a interpretações menores e ao surgimento de explorações indevidas.
É preciso dar ao tema uma dimensão maior e encontrar uma solução. Nestas horas de impasse, é o tempo dos estadistas, do espírito público, tempo propício a que se chame o povo, de modo institucional, por meio das urnas, para o plebiscito ou para o referendo.
Ele vai separar o impasse político da municipalização, como o assunto está sendo tratado em Brasília, para restaurar a grandeza e encontrar a solução que melhor atenda ao interesse nacional.
É melhor uma grande solução do que uma luta de capoeira.

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