São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novela da reeleição entra na fase decisiva esta semana

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

O governo Fernando Henrique Cardoso anuncia que, pelo seu cronograma, a novela da reeleição está entrando nas últimas semanas, aquelas para a quais, nas novelas da televisão, ficam as maiores emoções, as lágrimas, sorrisos e ranger de dentes.
A vida real parece reproduzir a telinha, por mais que o Ibope da reeleição, junto ao público em geral, não seja dos mais elevados, ou porque política não seja um tema popular ou porque o enredo específico da novela da reeleição tenha se mostrado muito pobre.
Em todo o caso, políticos, empresários, os chamados formadores de opinião e essa entidade misteriosa batizada de "o mercado" preparam seu estoque de risos e lágrimas para os lances finais de um espetáculo em que parece haver mais Odetes Roithmans, a maior vilã de todos os tempos na TV brasileira, do que Tonis Ramos, o eterno bom moço da telinha.
O que se segue é a sinopse dos capítulos decisivos, conforme roteiro preparado pelos atores e autores e os comentários que a Folha ouviu nos bastidores da gravação.

25 a 27 de janeiro - Não há gravações, para descanso da companhia. Mas haverá intensa troca de telefonemas para conferência de contas e estratégias.
O governo jura que não há mais nada a negociar. A Folha ouviu, na parte bem-humorada do governo, a comparação entre a CPMF do cheque especial e a reeleição.
É só sobre o cheque especial que o contribuinte paga duas vezes a CPMF, quando entra no vermelho e quando cobre o rombo. Os governistas dizem que já pagaram a primeira contribuição, mas há parlamentares que querem um segundo pagamento.
Claro que os governistas juram que, por pagamento, deve-se entender apenas o jogo político de preenchimento de cargos, liberação de verbas para obras de todo modo já previstas etc.
Mas, da ala ideológica do PMDB, a Folha ouviu que uma das maneiras de atrair deputados para que não votem no dia 28 ou 29 é dizer aos "fisiológicos": "Se vocês não votarem agora, o cacife dobra em fevereiro, porque é a última chance de o governo aprovar a reeleição para FHC".

28 de janeiro - Se houver quórum (257 deputados presentes), começa a discussão da emenda da reeleição. Falam, no mínimo, 10 oradores.
Repete-se cena levada ao ar em todos os capítulos anteriores: a contagem de votos a favor ou contra. A soma deles tem dado, invariavelmente, mais do que os 513 deputados que compõem a Câmara. Um dos lados blefa.
Até a semana passada, os governistas achavam que precisavam da presença de 330 a 340 deputados absolutamente fiéis, para dar-lhes segurança de que 308 votariam a favor da emenda, número mínimo para aprová-la (3/5 da Câmara).
Agora, já rebaixaram a margem de segurança. "Se contarmos pelo menos 315 dos nossos, a emenda vai a votação", diz Sérgio Machado (CE), líder do PSDB no Senado.

29 de janeiro - É o grande dia. Os autores prepararam dois finais alternativos para o capítulo decisivo.
Se houver absoluta segurança de que a emenda será aprovada, os governistas apresentam requerimento pedindo o encerramento da discussão e a imediata votação.
Se, ao contrário, houver dúvidas, apresentam requerimento pedindo o adiamento da votação por um número xis de sessões.
No primeiro final (emenda votada e aprovada), os governistas picam papéis, jogam para o alto e fazem a festa. Há dúvidas apenas se, como em votações importantes anteriores, cantarão ou não o Hino Nacional.
Mas há virtual consenso, do qual participa até uma substancial fatia da oposição, de que aprovar o direito à reeleição para FHC é mais do que isso: é a garantia de um segundo mandato.
No segundo final (sem votação), correm todos para o Palácio do Planalto para discutir a nova estratégia.
Até o fim de semana, as opiniões sobre qual seria a nova estratégia estavam divididas.
Parte dos governistas defende, ainda, a tese de acoplar à reeleição a convocação de um referendo. Ou seja, os recalcitrantes poderiam votar a favor da reeleição, na certeza de que ela só valeria se o eleitorado a referendasse posteriormente.
Mas outra ala acredita que o acoplamento agregaria apenas de 10 a 15 votos a favor da reeleição, insuficientes para garantir a vitória.
É a ala que defende o plebiscito, ou seja, consultar o eleitorado antes e não depois.
"Se o PMDB não quiser votar e o governo correr risco, não há outro caminho se não consultar a opinião pública", diz, por exemplo, Inocêncio Oliveira (PE), líder do PFL na Câmara.
É claro que a hipótese de plebiscito arrastaria a novela por muitos meses mais. Primeiro teria que ser aprovada a regulamentação do capítulo constitucional que trata de plebiscito, referendo e iniciativas populares.
Depois, o novo presidente do Congresso emitiria decreto legislativo convocando o plebiscito (ou referendo).

4 de fevereiro - Elege-se a Mesa do Senado. São candidatos Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) e Iris Resende (PMDB-GO).
O capítulo não foi gravado ainda. Depende de qual final for o escolhido para o dia 29.
Em todo o caso, os palpites sobre as consequências são sempre apocalípticos.
Jader Barbalho (PA), líder do PMDB no Senado, por exemplo, acha que, se a emenda passar na Câmara e ACM se eleger no Senado, "fica dono de FHC de uma vez".
Seu colega Pedro Simon (RS) teme que, dadas essas hipóteses, "comece a implosão do PMDB". Ou seja, PSDB e PFL cooptariam uma penca de parlamentares do PMDB, porque teriam absoluta hegemonia das posições de poder.
Mas, se a emenda passar na Câmara e Iris se eleger, os senadores do PMDB ameaçam abrir o que um deles chama de "o departamento de sacanagens".
Ou seja, pendurar na emenda, quando chegar ao Senado, uma porção de itens inconvenientes para o governo. Entre eles, a obrigatoriedade de o presidente licenciar-se seis meses antes da eleição, para disputar a reeleição.

5 de fevereiro - Elege-se a Mesa da Câmara. Concorrem Michel Temer (PMDB-SP), Prisco Viana (PPB-BA) e Wilson Campos (PSDB-PE).
Como o anterior, o capítulo não foi gravado. Depende dos dias 29 e 4. "A eleição do Temer será na verdade no dia 29", chega a dizer Jayme Santana (PSDB-MA).
Traduzindo: se Temer não arrebanhar no dia 29 número suficiente de peemedebistas para aprovar a emenda, deixa de ser o candidato governista.
Se, ao contrário, a emenda tiver sido votada na semana anterior, então as chances de Temer crescem, o que significa uma repartição do troféu reeleição: primeiro turno na Câmara com presidência de Luís Eduardo Magalhães (PFL-BA), segundo turno com Temer, do PMDB.

6 em diante - Serão, acima de tudo, dias de curar as feridas a serem inevitavelmente abertas pelos capítulos anteriores.
Se a reeleição não tiver sido votada, o grande ferido será o presidente da República.
Mas seus estrategistas já têm o troco preparado. Convocar o plebiscito, na certeza de que o eleitorado aprovará o direito à reeleição, que, na prática, significará a reeleição diretamente.
"O plebiscito representa antecipar a reeleição de Fernando Henrique em dois anos", chega a dizer Mauro Salles, misto de publicitário e conselheiro para a direção nacional do PFL.
É claro que, se esse raciocínio estiver correto, a aprovação da emenda pelo Congresso já em fevereiro significará antecipar ainda mais a reeleição.
Abre-se, então, um novo capítulo para o governo Fernando Henrique, no qual o condomínio que governa a República ganhará um novo ocupante, o PMDB, em igualdade de condições com os condôminos originais (PSDB e PFL).

Texto Anterior: Releitura de um compromisso
Próximo Texto: Quem ganha e quem perde
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.