São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Releitura de um compromisso

JANIO DE FREITAS

O único argumento de Fernando Henrique Cardoso em defesa da própria reeleição, e único também dos políticos que apóiam este propósito, teve a sua validade negada de maneira categórica por Fernando Henrique Cardoso, que até fez questão de incluir convicção anti-reeleitoral entre os compromissos que assumia para o seu governo. Não cabe, contra o raciocínio com que Fernando Henrique desqualificou o vigente argumento pró-reeleição, a justificativa de que, de lá para sua atual obsessão, o "novo modelo" decorrente do Plano Real modificou as circunstâncias e estas, por sua vez, suscitaram inversão de convicções. E não cabe pela razão definitiva de que já o Plano Real estava aplicado, já a moeda Real estava adotada, quando Fernando Henrique Cardoso negou veracidade à tese de que a consolidação do "novo modelo" requeresse um segundo mandato.
A primeira exposição de Fernando Henrique, neste sentido, foi escrita no discurso que fez, em 28 de julho de 94, no Memorial JK. O lugar e o momento cobraram referências ao passado, mas Fernando Henrique, já a dois meses da eleição em que cavalgava o êxito do Real, projetou o discurso sobre o futuro brasileiro.
Mais tarde, quando enfim apresentou o conjunto dos seus compromissos de governo sob título "Mãos à Obra, Brasil -Proposta de Governo", Fernando Henrique incluiu aí o texto lido no "Memorial JK". Deste documento resultando, na pág. 269, o registro da sua expectativa de que "vinte anos devem bastar para que nosso país ocupe um lugar entre as grandes nações do século 21, com progresso e justiça social". Ao que se segue, diretamente, esta convicção-compromisso:
"O TEMPO DE UM MANDATO PRESIDENCIAL É SUFICIENTE PARA FIXAR ESSE RUMO E DAR-LHE SENTIDO DE PERMANÊNCIA, GERANDO AS CONDIÇÕES BÁSICAS PARA QUE O NOVO MODELO SE SUSTENTE NO LONGO PRAZO". Para o futuro Brasil, foi usada a fórmula da incerteza: "devem bastar" vinte anos. Sobre o período para a Presidência remodeladora ou, o que dá no mesmo, sobre reeleição, a palavra segura e categórica: "um mandato É suficiente".
De fato, até agora não apareceu, oferecido por Fernando Henrique ou por qualquer dos seus aliados, uma exposição do que tornaria condenado o "novo modelo" se o próximo presidente não for Fernando Henrique Cardoso. O próprio Fernando Henrique é um exemplo político e físico da falsidade do seu argumento atual, de permanência necessária como presidente. O "novo modelo" foi introduzido tendo Itamar Franco na Presidência e não sofreu descontinuidade com a sucessão.
É verdade que também não recebeu qualquer acréscimo substancial, por força da protelação ou recusa de tudo, grande reforma ou pequena lei, que seja visto por Fernando Henrique e aliados como capaz de dificultar um votinho parlamentar na reeleição. O que esvazia a alegação de que não houve, de Itamar para Fernando Henrique, sucessão na regência do "novo modelo", antes houve continuidade do regente, de um mandato para o outro. E então é forçoso concluir que, se no mandato anterior surgiu o "novo modelo" e no atual ele não avança, a continuidade não é apenas descartável, como consta do compromisso eleitoral de Fernando Henrique, é contraproducente e negativa mesmo.
Mas não se precisa levar as conclusões a tanto. "É suficiente" saber que, segundo Fernando Henrique Cardoso, "um mandato é suficiente" para fazer com que "o novo modelo se sustente" até mesmo "no longo prazo". O contrário, pois, não passa de golpe do vigário em versão política.

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