São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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A vaca pulou a cerca

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DE DOMINGO

O motorista de táxi pede autorização para ligar o rádio. Concedo e logo estamos ouvindo, ao vivo, o depoimento de Guilherme de Pádua.
São Paulo passa pela janela chuvosa enquanto o acusado relata os momentos que se seguiram à morte de Daniella Perez.
Pádua recheia a narrativa com detalhes. Reproduz diálogos, emoções, gestos. Tudo é repetido, de forma simplificada, pelo juiz, que pede mais objetividade.
Perdido na monotonia do depoimento, revisito mentalmente o país da época do crime. Um país em transe: o grande circo do impeachment de Collor, as incertezas econômicas e o assassinato com ingredientes espetaculares.
Um amigo suíço, que então visitava o Brasil pela primeira vez, não escondia seu espanto. Acostumado à sólida estabilidade de seu belo, rico e agradável país, divertia-se com a grande confusão desse enlouquecido gigante tropical. "Nada mau para vocês jornalistas."
Mas o fato é que as coisas mudam. Não estamos na Suíça, mas a realidade vai-se tornando mais previsível.
A estabilidade econômica, a queda do bloco socialista, a crescente consolidação do consenso neocapitalista e o desejo de otimismo que parece atravessar a sociedade estão levando a imprensa a repensar suas opções.
As discussões estão em curso e delas participam, também, jornalistas de outros países.
Os problemas que o jornalismo passou a enfrentar no Brasil já se manifestavam nos EUA e na Europa. Afinal, o que querem os leitores? Qual a função do jornal nesse mundo de individualismos e passividades, cheio de novas mídias e facilidades de informação?
Semana passada, de volta ao Brasil, já falando bom português, meu amigo suíço perguntava-me sobre o jornalismo brasileiro nessa nova fase do país.
"Está indo tudo bem", desconversei.
"Mas daqui a pouco vamos estar dando manchetes para a vaca que pulou a cerca."

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