São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Real desestabiliza Valadares dos doleiros

SÉRGIO LÍRIO
ENVIADO ESPECIAL A GOV. VALADARES (MG)

A sobrevalorização do Real e a estabilidade colocaram a economia de Governador Valadares (a 300 km de Belo Horizonte), em um impasse.
A questão que a cidade enfrenta é como sair da estagnação causada pela diminuição da remessa de dólares enviada pelos cerca de 27 mil valadarenses que vivem nos Estados Unidos.
A Folha apurou junto a doleiros da cidade que o montante de dólares "migrantes" caiu cerca de 40% em dois anos.
O cálculo estimado é que a remessa tenha despencado de US$ 18 milhões para pouco mais de US$ 10 milhões por ano.
Com isso, a construção civil, as agências de turismo, o comércio e a arrecadação da cidade foram afetados.
Valadares -ou "Valadólares"- ficou famosa nos anos 80 pela grande imigração de seus habitantes para os Estados Unidos.
Calcula-se que 33 mil valadarenses, quase 16% de uma população estimada em 230 mil habitantes, vivam em países de língua inglesa. Do total, 82% estariam nos Estados Unidos.
Foram os dólares desse contingente que sustentaram a economia da cidade durante mais de uma década.
Até 93, a construção civil viveu um "boom" e as casas de câmbio -disfarçadas de agência de turismo- se proliferaram na cidade. Em época de inflação alta e câmbio subvalorizado, esses dólares serviram não só como proteção contra as perdas inflacionárias, mas como moeda de troca.
O Real valorizado -ao contrário das moedas nacionais anteriores- decretou o fim dos ganhos cambiais.
Outros dois fatores também pesaram para a redução da remessa: há menos trabalho para os imigrantes nos Estados Unidos e mais dificuldade para entrar no país.
"O dólar sustentou o consumo, a construção civil e um mercado financeiro forte, já que pelas casas de câmbio circulava a maior parte do dinheiro que financiava a economia", explica Antônio Rodrigues Coelho Jr., secretário de Desenvolvimento Econômico de Valadares.
Segundo Coelho, a cidade está buscando um modelo de desenvolvimento menos dependente do fluxo de dólares.
Construção civil
A construção civil é um bom exemplo do impasse em que vive a economia de Valadares. Um dos que mais lucraram com a enxurrada de dólares que inundou a cidade nos últimos anos, o setor enfrenta agora a escassez de recursos.
Levantamento do arquiteto Weber Soares, da Secretaria de Planejamento da prefeitura, indica que de 84 a 93, emigrantes investiram US$ 154 milhões na construção.
O investimento em imóveis, conta Soares, virou uma coqueluche porque era fácil financiar as construções.
"Por causa da defasagem cambial, os emigrantes precisavam investir menos dólares para pagar as prestações de um imóvel", explica a engenheira Neide Ferreira Leão, dona da Engearte Construções.
Segundo ela, no "boom" imobiliário do final dos anos 80, a participação de emigrantes variava de 60% a 80% do total de empreendimentos. A participação nos últimos dois anos teria despencado para cerca de 10%.
"Muitos não conseguiram pagar as prestações e repassaram os direitos dos imóveis para outros", diz.
Neide Leão conta que, por isso, o ritmo e o número de suas obras caiu pela metade. A empresa, que chegou a administrar seis construções de uma única vez, agora mantém apenas três.

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