São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Palmeiras arde em uma fogueira das vaidades

ALBERTO HELENA JR.
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A única voz discordante que ouvi até agora, com relação à regra que limita o número de faltas no Rio-SP foi a de Márcio Araújo, técnico interino do Palmeiras.
Entende-se. Moço educado, atleta de Cristo, como jogador não foi abençoado com o dom do craque. Nunca passou de limitadíssimo cabeça-de-área, aplicado, que se escudava num pretenso senso de colocação para jogar em alguns times de expressão, como o São Paulo e a Portuguesa.
Na verdade, era a própria personificação dessa praga que devasta o futebol por dentro: o matador de jogadas.
Sem violência excessiva, tampouco ostensiva, vai acumulando apenas aquela chamada faltinha tática, necessária, que mata o gol enquanto feto, no momento da criação.
Vade retro!
*
Basta aplaudir uma única ação da cartolagem, e, pronto!, lá vem mancada. Enquanto o Palmeiras arde numa daquelas fogueiras da vaidade que se julgava extintas com o advento do consórcio, o Corinthians fica acenando com um maço de dólares para quem quiser morar no Parque São Jorge, em vão.
Já o presidente do Santos, sem consultar seus pares, entrega de bandeja, por uma bagatela, um meio-campo pronto para o Guarani: Gallo e Carlinhos.
A tal da modernização haverá de chegar, sim. Ah, mas a que preço...
*
E o tricolor começa a se ajeitar. Marques, mesmo não sendo um craque desses que desequilibra o jogo, pelo menos, haverá de equilibrar o meio-campo, embora, apesar de destro, goste de escalar pela esquerda.
Pena que o São Paulo não tenha conseguido seduzir Alberto, lateral-direito do Atlético Paranaense, que cairia como uma luva naquela imenso vazio deixado por Cafu há mais de dois anos.
*
Se a máxima de Gentil Cardoso é sábia, nem sempre foi verdadeira. E o que dizia o Moço Preto, como ele mesmo se autodenominava? Sentenciava: "Quem pede tem preferência; quem se desloca recebe".
Pois alguns dos mais ilustres mestres da bola cuidaram de contrariar as palavras do mitológico treinador.
Zizinho, por exemplo, que não se deslocava da meia-direita, nem mesmo se dignava a pedir. Apenas batia palmas, como um rei de França, e a bola, onde estivesse, corria submissa em sua direção.
Ademir da Guia, então, nem isso: mantinha com a bola um diálogo telepático, silencioso, imantado. Era como se, a cada duas, três passadas longas de Ademir, a bola se desprendesse do colóquio que mantivesse com qualquer outro, e, célere, se aninhasse aos pés do craque. Nem pedia, nem se deslocava, apenas alternava suas passadas, ampliando ou reduzindo o espaço e o tempo de acordo com seu próprio ritmo.
Tudo isso só porque vi outra noite, na TV, um menino que, sem chegar ainda às chuteiras de Zizinho ou Ademir da Guia, com raro estilo e fina classe, também segue as lições dos mestres: a bola não faz um gesto sem antes pedir-lhe licença.
Seu nome: Riquelme, que joga com a camisa 8 da seleção argentina sub-20.
Guardem esse nome.

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