São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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SEXO NA PRÉ-HISTÓRIA

DO "LIBÉRATION"

Arqueólogo relê história para mostrar diversidade de práticas sexuais
O público se interessa pelas práticas sexuais da antiguidade e da pré-história, mas os cientistas, particularmente os arqueólogos, não satisfazem essa demanda, frequentemente em nome da discrição. A opinião é de Timothy Taylor, pesquisador da Universidade de Bradford (Reino Unido) formado em arqueologia e antropologia na Universidade Cambridge. Para suprir essa lacuna, Taylor escreveu "The Prehistory of Sex: Four Million Years of Human Sexual Culture" (A Pré-História do Sexo: 4 Milhões de Anos de Cultura Sexual Humana, Bantam/Fouth State, US$ 23,95), que se tornou campeão de vendas e de polêmicas nos EUA e Reino Unido. O objetivo do pesquisador: reinterpretar objetos e gravuras pré-históricas e antigas para mostrar que as práticas sexuais humanas eram mais variadas do que se imagina.
Homossexualismo, zoofilia, masturbação, "...tudo foi abordado e representado desde muito cedo. Já era tempo de dizê-lo. Há anos que os arqueólogos nos falam da economia das sociedade pré-históricas, de seu regime alimentar, das doenças, mas, jamais, nada sobre sexo". Em uma obra ilustrada de 354 páginas, destinada ao público "educado, mas popular", Taylor pretende desvendar a pudicícia da pesquisa. "Um monte de objetos muito antigos tem uma relação evidente com o sexo, mas os conservadores pudicos de museus preferiram os esconder nos porões ou classificá-los como "objetos rituais".
Em primeiro lugar, o pesquisador lança hipóteses sobre a influência das escolhas sexuais na evolução do corpo humano. "Como havia escrito Darwin, penso que nossa 'nudez' é fruto de uma seleção sexual. Do mesmo modo que o pavão 'desenvolveu' uma cauda colorida, certamente sedutora mas perigosamente visível (para os predadores), os primeiros homens perderam o pelo sem dúvida porque seus parceiros achavam isso 'sexy'. Alguns pesquisadores falam em 'adaptação' do homem que, para caçar melhor, teria necessidade de correr e, portanto, de eliminar o excesso de calor. É ridículo. Então as mulheres, que não caçavam, seriam hoje em dia mais peludas do que os homens."
Deusas ou modelos?
Elas têm frequentemente formas arredondadas, mesmo esteatopígias (com excesso de gordura nas nádegas). Na maioria nuas (com exceção de uma), num período em que fazia mais frio do que hoje. Cerca de 200 estátuas desse tipo foram encontradas em vários lugares, da Sibéria à França, datadas de 12.000 a 40.000 anos. Sempre mulheres, foram chamadas de Vênus (deusa da beleza e do amor na mitologia latina). Para Taylor, essas imagens estão relacionadas ao sexo -talvez representem o "modelo pornográfico da época". Elas são tão pequenas e tão polidas que devem ter sido muito manipuladas. "Não posso imaginar que elas tenham sido feitas por mulheres. Na maioria das vezes, os rostos não são representados, enquanto que os órgãos sexuais (com exceção do clitóris) são claramente indicados. Estou mais inclinado para a hipótese "Playboy", numa sociedade em que as mulheres podiam ser doadas, em que os homens tinham várias mulheres".
Nada a ver com a tese muito conhecida da "grande deusa mãe", defendida pela pesquisadora Marie Gimbutas, da Universidade da Califórnia em Los Angeles (EUA), nos anos 70. "A Virgem Maria é muito representada, mas isso não significa que o papa seja uma mulher", ironiza Taylor. "Gimbutas pensa que, nesses tempos pré-históricos, predominava a sociedade matriarcal. Daí sai sua idéia de mulheres deusas, de deusas mães."
Segundo o levantamento do pesquisador, não há indícios de que essas "Vênus" estivessem ocupadas em dar à luz ou amamentar. Haveria apenas um exemplo: a madona de Gradac (Iugoslávia), datada de 5 mil anos, representada como se estivesse dando o seio. Quanto à figura encontrada em Hagar Qim (em Malta, no mar Mediterrâneo), principal exemplo de Gimbutas, ela parece sobretudo ocupada em se masturbar, com uma de suas mãos entre as pernas. Mas, de qualquer maneira, por que uma deusa não poderia se masturbar? "Há anos essas figuras provocam polêmica. E elas ainda não acabaram", diz
Objetos para se masturbar
Desde o século 5 antes de Cristo, os gregos decoravam seus vasos e potes com algumas claras representações de objetos utilizados na masturbação. Invenção deles? Não, esse tipo de objeto é muito mais antigo -o paleolítico (período que vai de 2,5 milhões de anos a 10.000 mil anos atrás), deixou uma série de exemplos de objetos, bastões, de formato manifestamente fálico (com forma de pênis).
"Não posso dizer que esses objetos tenham sido deliberadamente escondidos ou esquecidos. Eles foram divulgados, mas de maneira estranha, e suas dimensões jamais são mencionadas." Eles mediam entre 10 cm e 18 cm. Arte ou safadeza? Esses bastões foram interpretados como símbolos de poder, como objetos para tensionar os arcos, como obras de arte. "Os primatas que não os homens também utilizam objetos para se dar prazer", comenta Taylor.
Se eram objetos de prazer, quem se servia deles? As mulheres do paleolítico teriam se divertido com esses bastões fálicos, enquanto os homens brincavam com suas bonecas esculpidas? "Difícil responder. Hoje em dia, esse tipo de objeto faz parte sobretudo do mundo dos homossexuais. Mas, enfim, também não excluo a hipótese de que esses bastões pudessem ter sido objetos rituais. Em algumas tribos, eles servem para deflorar as virgens", diz o pesquisador.
Pedras e pênis
Se, desde o paleolítico, a imagem do pênis é encontrada nas paredes das cavernas, ela volta com força no neolítico (há 10.000 anos), especialmente na forma de megálitos (pedras monumentais erguidas em tempos pré-históricos) muito fálicos. Nessa época, o homem se torna sedentário e passa a desenvolver a agricultura.
"Diz-se que, então, o sexo se torna um assunto privado. Na minha opinião era bem menos discreto fazer amor em uma casa cheia de gente do que na floresta. De qualquer modo, a imagem dominante no neolítico era aquela de um pênis 'reprodutor', 'fertilizador'. Todos os menires (tipo de monumento megalítico) têm uma forma fálica evidente."
"Nós também encontramos em Varna (sítio arqueológico búlgaro de 6.000 anos, com mais de 200 sepulturas) um objeto muito curioso: uma espécie de bainha (de faca), feita de ouro, colocada entre as pernas de um corpo." Uma camisinha? "Imaginou-se que talvez fosse, mas ela tinha um furo na ponta. Pergunto-me se não poderia talvez se tratar de um objeto que pode ter servido como símbolo da fertilização da terra com a masturbação."
Zoofilia
Além dos menires e outras imagens fálicas, Taylor registra cenas de homens que estão penetrando animais -zoofilia-, exemplificadas nas gravuras em pedra do sítio de Val Camonica, na Itália. Figuras antropomórficas e seus pênis eretos podem ser vistos atrás de cabras, asnos e mesmo renas.
"Ora, o que pode ser desenhado pode ser feito. Coisas semelhantes podem ter ocorrido a partir do momento em que os animais foram domesticados (no neolítico). Tente fazer o mesmo com um animal selvagem", brinca o arqueólogo britânico.
"Não posso dizer que essas imagens descrevam uma tendência certa para a zoofilia. Na imagem de uma figura humana sobre skis que tenta copular com uma rena, o homem tem uma cabeça de pássaro. Essa cena representa talvez o poder sobre-humano de um xamã (magos que se comunicam com espíritos de outro mundo). Ou talvez se trate, simplesmente, de uma brincadeira."

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