São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
Próximo Texto | Índice

TUDO IGUAL ATÉ MUDAR

A estabilidade nas regras do jogo é um dos mais apreciados ingredientes de uma economia. E, quando se fala em estabilidade de preços no Brasil hoje, na prática fala-se na estabilidade da política cambial.
Sabe-se que o controle e a valorização da taxa de câmbio produziram o sucesso do Plano Real. Mas é possível também perguntar até que ponto mudanças na política cambial conduziriam necessariamente à destruição da estabilidade de preços.
Num modelo como o argentino, de congelamento do câmbio, a pergunta nem se coloca. É a própria imobilidade que constitui a essência do Plano Cavallo, essência que sobrevive à própria destituição do seu autor. Já no caso mexicano, a tentativa de "aperfeiçoar" o sistema (para usar a enigmática expressão do ministro Malan da semana passada) resultou numa das mais espetaculares catástrofes cambiais contemporâneas.
O caso brasileiro tem sido descrito pelos especialistas como uma situação intermediária. A taxa de câmbio "desliza". Ao longo do tempo, os limites inferior e superior da banda vão sendo reajustados. Nos últimos meses, uma desvalorização mensal da ordem de 0,6% tornou-se a regra. Ninguém em sã consciência defende uma "máxi". Mas é razoável perguntar se há graus de liberdade para produzir aperfeiçoamentos digeríveis, inofensivos do ponto de vista da manutenção da estabilidade.
A mudança que vem sendo sinalizada pelos mercados futuros de câmbio é uma aceleração na taxa mensal de desvalorização cambial.
Tal mudança não subverteria o sistema de preços no curto prazo. A economia está bem desindexada, imagina-se que espontânea ou impositivamente ocorra uma desaceleração da economia nos próximos meses e os juros, em patamar elevado, garantam aos credores em dólar um rendimento real (descontada a desvalorização) suficiente para continuarem financiando o país e refinanciando os devedores em dólar. No longo prazo, o resultado desse gradualismo sem imobilismo seria a desvalorização real sem traumas.
Num cenário ideal, o governo poderia promover uma desvalorização real de até 3% ao ano. Em três ou quatro anos, a inflação ainda estaria sob controle, e a célebre defasagem, reduzida ou mesmo eliminada.
Uma das condições da mudança é evitar que a economia se aqueça. Inflação baixa e crescimento moderado dariam espaço para a estabilidade de preços sem câmbio valorizado.
A outra condição é conhecida. O calcanhar de Aquiles desse modelo são as contas públicas. A alma da estabilização brasileira (como da argentina e da mexicana) está no financiamento externo. Correções de rumo são possíveis sem perda de credibilidade apenas se o governo corrigir com vigor e rapidez o seu déficit.
Só assim a estabilidade não será confundida com imobilismo.

Próximo Texto: DEDICAÇÃO POLÍTICA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.