São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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Ser cidadão

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O cidadão brasileiro não tem consciência de sua força. No mais das vezes, considera-se um dependente do governante, sem a coragem de contestá-lo e aceitando passivamente suas diatribes, com serenidade estóica, que chega a comover especialistas de fora, ao examinarem a falta de reação cívica da sociedade.
Nem se diga que foi o povo que derrubou Collor, pois, se não fosse a imprensa incitá-lo, a CPI da Câmara teria resultado em fracasso semelhante aos de todas as outras CPIs do Legislativo.
Durante meses, PC Farias foi investigado no Parlamento, sem qualquer resultado, só ganhando dimensão nacional aquela comissão quando Collor provocou a imprensa e a sociedade e pediu que o povo saísse às ruas de verde e amarelo, tendo os meios de comunicação, principalmente a Folha, pedido ao povo que saísse de preto, ganhando a adesão que faltara durante todos os meses que antecederam aquele dia fatídico para Collor.
O certo é que, no curso dos últimos 30 e poucos anos, desde a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade, em 19 de março de 1964, o povo vem aceitando pacificamente o que os governantes, sem consultá-lo, decidem. Até porque o voto depositado nas urnas, sem eleição distrital e sem fidelidade partidária, transformou-se em farsa democrática, na medida em que nenhum político eleito tem compromisso com seu eleitor ou com seu partido, mas exclusivamente com sua ambição.
É por essa razão que a democracia brasileira mostra-se sempre precária e, de 1889 até o presente, inúmeras vezes foi substituída por regimes de exceção.
Mesmo no atual momento, os políticos perdem a noção de que estão representando o povo e se consideram apenas donos do poder.
O presidente Fernando Henrique deixa de lado as reformas estruturais para considerar o projeto de reeleição o mais relevante de seu governo, pois será dele beneficiário direto.
O PPB, o PT e parte do PMDB opõem-se ao projeto, pois aspiram a que seus candidatos ocupem a presidência em 98, e a reeleição será um obstáculo real a tais aspirações.
Lula e Erundina têm como secretário não um funcionário pago pelas arcas do partido, mas, como denunciou a Folha, pelos cofres da prefeitura, isto é, pelo dinheiro dos contribuintes, na sua grande maioria não-petista. E tal cessão de funcionários do Estado para os assuntos privados do PT, pagos não pelo dinheiro do partido, mas pelo dos contribuintes, parece ser uma constante não só nesse partido, mas em outros. O PMDB se esvai em ambições fisiológicas, e o PFL adentra o poder com a consciência de que, na política, ser poder é o que importa.
Nesse quadro, o cidadão tem pouco espaço. Apenas surge para avalizar, em eleições, as poucas opções que lhe ofertam os nomes daqueles que precisam dos eleitores para suas ambições políticas. E quando prestam serviços públicos, fazem-no mais para manter o poder do que por considerarem tal missão a verdadeira razão de ser de seu governo.
Enquanto o brasileiro não tomar consciência de que ser cidadão é mais importante que ser presidente da República, senador, deputado, governador, prefeito, vereador etc., e de que os ocupantes desses cargos não passam de meros servidores da cidadania e da sociedade, a democracia brasileira será incipiente, precária e correrá riscos.
Cada brasileiro deve ter consciência de que o governante está a seu serviço e não ele a serviço do governante, e de que é bom governante apenas aquele que tem como meta exclusiva servir ao cidadão.
Cada brasileiro vale, individualmente, mais do que todos os políticos, pois todos os políticos têm a obrigação constitucional de servir-lhe, e só para isto foram eleitos ou escolhidos, em concursos, para os cargos públicos.
Creio seja um bom tema de reflexão para o ano que se inicia que os cidadãos brasileiros tomem consciência de sua força, pois só assim poderão exigir dos governantes trabalho e honestidade e poderão consolidar a democracia no país.

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