São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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A esquerda e o desafio para 98

TARSO GENRO

Todo o ano de 97 e, particularmente, os debates que ocorrerão ao longo do seu primeiro semestre serão decisivos para o futuro do PT e também para as demais forças da esquerda do país.
Não que estejamos à beira de uma catástrofe, como gostariam os nossos adversários, mas o imenso potencial de renovação de que somos portadores precisa configurar-se como programa concreto de governo, contraposto ao modelo atual. Só que basta de dizer isso: é necessário começar a propor.
A importância especial de 97 faz sentido. Disputaremos pela primeira vez a presidência e os governos estaduais, confrontando-nos com um projeto -do presidente FHC e de seus aliados- dotado de alto grau de coerência. Um projeto coesionador da ampla maioria das classes abastadas do país, com simpatia razoável nos setores médios e com prestígio em parcelas da intelectualidade. Esta, pela primeira vez após o regime militar, cindiu-se, e boa parte dela migrou para posições identificadas ou simpáticas ao neoliberalismo.
Nas eleições presidenciais de 1989, confrontamo-nos com Collor, que era uma espécie de gerente da burguesia marginal. Nas eleições que disputamos com FHC, pouco valeu o embate de projetos. A instabilidade que foi contrarrestada pela vigência do Plano Real foi o principal cacife.
Hoje, a situação é diferente e ainda mais difícil para as esquerdas. Há um projeto em andamento, e há uma situação internacional em que a própria onda neoliberal já bateu no teto. Essa situação permite que o atual governo atenue alguns dos ajustes mais duros e tenha uma margem ainda maior de manobra.
Vejamos o que vem sendo implementado no projeto em curso:
- primeiro: quanto às relações econômicas globais, o governo optou por uma inserção subordinada, aceitando um papel secundário para o país no seu futuro estratégico, o que significa dizer que, para o governo, a atual ordem internacional deve ser preservada em todos os seus termos, e o sistema hegemônico atual é incompartilhável;
- segundo: quanto ao desenvolvimento econômico-social interno, o governo está proporcionando a modernização de alguns setores industriais importantes, principalmente aqueles que se associam aos capitais externos de maneira subordinada, sem ter uma estratégia capaz de nos colocar ao lado dos países do dito Primeiro Mundo;
- terceiro: quanto ao Estado, em vez de democratizá-lo e colocá-lo sob controle público -já que o Estado que aí está sempre serviu majoritariamente às oligarquias rurais (antes) e industriais-financeiras (hoje)-, o governo diminui o seu tamanho sem publicizá-lo, ou seja, torna-o impotente para exercer a sua capacidade regulatória pública e, ao mesmo tempo, eficiente para permitir que os monopólios privados -pela sua força econômica, que gera coerção política e manipulação- orientem e regulem a economia de acordo com as suas necessidades.
A situação peculiar que atravessamos, portanto, não é mais a de um país sem rumo definido, mas a de um país que escolheu formalmente o seu caminho de dependência subordinada. Um país que terá um lugar melhor no planeta do que o do México ou o da Argentina e que assumirá uma certa subgerência, enquanto persistir a atual ordem mundial, sem se avocar a ousadia de ter um projeto próprio de nação.
Isso exige do PT e da esquerda uma precisão "fina" sobre o tipo de integração social interna que queremos, numa época em que não está à vista qualquer tipo de "ordem socialista". Hoje, não mais combatemos o autoritarismo ou os saqueadores "à moda antiga", mas uma ação consistente dos setores mais fortes das elites burguesas.
Proponho, portanto, a seguinte agenda de conversações, para que o nosso programa para 98 baseie-se na implementação concreta de uma ação governamental que tenha as seguintes características: inserção soberana na ordem global a partir de uma estratégia de fortalecimento de blocos regionais e sub-regionais, com investimentos maciços em ciência e tecnologia capazes de credenciar e fortalecer a tessitura econômica local; política de câmbio, agrária e de reforma agrária combinadas com uma estratégia econômica que fortaleça a nossa base industrial local, refinanciando o Estado e os projetos estratégicos, com suporte principalmente na poupança interna e na parte do capital externo "não-volátil"; democratização do Estado, modernização do aparelho administrativo, com base no controle da sociedade sobre seus mecanismos de planejamento e administração, com a participação direta da cidadania, compatibilizando-a com a representação política estável.

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