São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 1997
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O vampiro dentro de nós

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Fui mexer nas estantes e descobri, atrás de uns volumes sobre cinema, o roteiro original de um clássico do cinema alemão: "M -o Vampiro de Dusseldorf". Como todos sabem, o filme foi dirigido pelo grande Fritz Lang. E a magistral interpretação de Peter Lorre pertence à história do nosso tempo. Há muito não revejo a obra e tratei de ler o roteiro em tradução francesa.
A história é bastante conhecida, dizem que baseada num fato da vida real. Em Dusseldorf, no início dos anos 30, meninas de 8 a 10 anos apareciam estupradas e mortas. Pânico na cidade, pânico na imprensa, pânico na polícia. Finalmente, pânico entre os próprios bandidos, que decidem se aliar aos policiais para caçar e punir o criminoso.
Arrastado até o porão onde se reunia a cúpula do crime, o vampiro será julgado. Perguntam-lhe por que cometia atos tão repelentes. A explicação que ele dá, e que não aparece integralmente no filme, ilumina não apenas a alma do criminoso, mas a nossa própria alma. Diz ele: "De repente, me descubro andando sozinho no meio da noite, sem rumo, sem vontade de nada, de ir a lugar nenhum. Para me distrair, assovio um tema musical. Subitamente, ouço passos atrás de mim: sou eu. Não adianta fugir de mim mesmo. Os passos me seguem, o 'eu' se apodera de mim. Não quero nem posso fugir dele".
No filme, o impacto visual prejudica a reflexão sobre o texto. Mas agora, lendo o roteiro no silêncio da noite, sinto um arrepio na consciência e na pele. O trecho tem servido para os entendidos tentarem explicar a complexidade da alma alemã. Pergunto eu: por que não a alma de todos os homens?
Descubro que cada um de nós tem um inimigo mortal e próximo, próximo até demais, à espreita do momento em que dará o bote. Esse inimigo tem um rosto terrível e conhecido.

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