São Paulo, segunda-feira, 27 de janeiro de 1997
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Paraguai prende menores sem processo

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ
ENVIADA ESPECIAL A CIUDAD DEL ESTE

A.P.S., 17, matou um comerciante a tiros por US$ 2.000 pagos pela patroa, dona de uma loja, e se arrepende. Ela também foi presa, mas saiu livre dias depois. O rapaz está há quatro meses na penitenciária regional de Ciudad del Este, na fronteira entre Paraguai e Brasil, e não sabe o que se passa com seu processo.
A.J., 17, é acusado de assaltar uma casa. Diz que, no dia do crime, estava trabalhando. Diz, ainda, que tem testemunhas para seu álibi, mas está na cadeia há dois meses e apanhou para confessar algo que não fez.
Com outros seis amigos, J.N., 14, é acusado de assaltar uma casa e matar um homem. Está na cadeia há nove meses e se diz inocente. É o mais novo do grupo. Dois outros têm 17 anos; o mais velho tem 22. Por duas vezes, foram todos levados a sessões de reconhecimento, mas não sabem que resultado elas tiveram.
I.I.S., 17, trazia maconha para o namorado na cadeia e acabou presa também. Está na ala feminina da penitenciária regional desde novembro, grávida de quatro meses. Não tem idéia de quando será ouvida no processo nem se há processo.
Brasileiros e pobres, todos eles tentavam a vida dos dois lados da fronteira. Alguns eram sacoleiros ou "laranjas", carregando contrabando na ponte da Amizade, que separa os dois países e faz a fronteira mais movimentada da América do Sul.
Testemunho oral
No Paraguai, teriam direito, até aos 20 anos, a detenção num "instituto correcional", uma espécie de Febem. Como só há um na capital, Assunção, distante 300 km, ficam na penitenciária, em péssimas condições, com mais de 500 outros presos de todos os calibres. Não há médico ou dentista, as celas são superlotadas, escuras e abafadas, a comida é horrível e ninguém faz nada o dia todo.
Pela lei paraguaia, um cidadão é imputável, ou seja, responde por seus crimes a partir dos 14 anos. Mais: para ser preso, basta que esse crime seja testemunhado oralmente diante de um juiz de paz, nomeado na própria comunidade, e ele ordene a prisão.
Não há inquérito policial, e as investigações, quando feitas, não chegam ao conhecimento do preso que aguarda julgamento. Ele também não sabe quando e como será julgado. Menos de 10% dos presos no Paraguai estão condenados, e as arbitrariedades cometidas dentro e fora das prisões são impressionantes.
Há 88 brasileiros e 5 brasileiras na penitenciária de Ciudad del Este, seis deles menores de idade (uma garota apenas); 49 são acusados de homicídio. Apenas três foram condenados, dois por estupro, um por homicídio. "Ladrão de carro e traficante que tem dinheiro não ficam aqui", diz um dos presos. "Eles pagam e saem em menos de uma semana."
Separar os menores
Dentro da cadeia, os brasileiros formaram uma comunidade que se protege. "Os paraguai (como chamam os paraguaios) querem ver a gente morto", diz Sérgio Alves dos Santos, 27, assaltante confesso que se tornou o líder dos brasileiros. "Se a gente não se arranja aqui, eles violentam os pequenos, batem nos grandes, com ajuda dos guardas. Detestam brasileiro."
O consulado geral em Ciudad del Este, uma das oito representações do Brasil no Paraguai, cuida desse que é o maior contingente de brasileiros em uma única cadeia no exterior. Contratou advogados para os presos (ver texto abaixo), e está tentando convencer as autoridades paraguaias a separar os menores.
"Eles se dizem sem condições, e não podemos criar um problema diplomático por causa disso", afirma o embaixador Ernesto Ferreira de Carvalho, 67, designado em maio de 1996 para o consulado geral, para reforçar o atendimento numa das mais problemáticas regiões de fronteira do Brasil.

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